Burra e parva na sua
primeira paixão por alguém que nada valia.
Pudera saber então o que
hoje sabia.
Quinze anos deslavados e
feia. Queria tanto ser bonita.
Se a convidavam para uma
festa, claro que ia.
Bebeu, dançou sozinha,
ninguém lhe ligava. Que lhe importava?
Pelo menos, pelo menos,
que ninguém soubesse da indiferença fingida.
Então algo, que nem em sonhos
esperava, sucedeu.
O Jaime viu-a. Olhou para
onde ela estava e viu-a.
Quando a chamou para um
canto, foi.
Teve o primeiro beijo na
boca, cuspo, fedia a álcool, a língua dele na sua boca, fechou os olhos, as
mãos dele a abrirem-lhe com força a camisa, saltou um botão, as mãos dele
geladas nos seus peitos, e o que é que lhe dizia? "sei o que tu
queres, tu queres é isto". O barulho à volta, próximo, demasiado perto,
alertou-a. Não estavam sozinhos. Empurrou-o e fugiu, entre risos dele e de
outros.
Vergonha.
Devia ter sabido. Porque
outra razão a chamaria?
Burra, Parva.
E suja, enojada com o
cheiro dele que nela sentia, como se a tivesse marcado.
Voltou mais tarde ao
local do crime.
Vazio e sujo, ainda não
fora a sala limpa, garrafas e copos espalhados pelos móveis.
No chão encontrou o botão
arrancado, premiu-o com força e guardou-o: "um dia mato-o e mato-me".
Talismã ou estigma.
Levava-o consigo numa algibeira, sempre ciente de que lá estava, de vez em
quando procurava-o, segurava-o nas pontas dos dedos, carregava nele com o
indicador ou o polegar, acuado contra o pano do bolso, não podia fugir-lhe.
Ou então deixava-o
escondido, no fundo de uma gaveta, mas sem esquecer que lá estava.
Atormentava-a e
motivava-a.
Planeou destruir o botão
com um martelo. Nessa noite sonhou que o fazia ao Jaime e amigos, e não foi um
pesadelo. De manhã até lhe pareceu que o botão sorria.
Mudaram de casa, nunca
mais os viu.
Depois cresceu e deitou
fora o botão.
Sim, foi o melhor que ela fez. Para quê querer guardar objetos de memórias que fedem?
ResponderEliminarGostei muito do ritmo do texto. Retrata bem experiências de bastantes adolescentes.
Um beijinho
M. olamariana.blogspot.com
Belo texto!
ResponderEliminar(é bom ter mais do que as 300 palavras, não achaste?)
O "crime" corre-te nas veias de escritora!
E consegues fazer com que nos ponhamos na pele dela.
Agora é esperar para ver se passas à próxima etapa.
É o estilo que mais gosto, o teu. Talvez porque seja eu um pouco ingênua e lenta para perceber a maldade dos outros. Parabéns!!!. Tens o dom.
ResponderEliminarUm texto muito interessante com ritmo e emoção.
ResponderEliminarAbraço e saúde