terça-feira, outubro 27, 2020

Post 7766 - Super torneio de Escrita Criativa 7/7 - Burra e parva

 

 

Burra e parva na sua primeira paixão por alguém que nada valia.

Pudera saber então o que hoje sabia.

Quinze anos deslavados e feia. Queria tanto ser bonita.

Se a convidavam para uma festa, claro que ia.

Bebeu, dançou sozinha, ninguém lhe ligava. Que lhe importava?

Pelo menos, pelo menos, que ninguém soubesse da indiferença fingida.

Então algo, que nem em sonhos esperava, sucedeu. 

O Jaime viu-a. Olhou para onde ela estava e viu-a.

Quando a chamou para um canto, foi.

 

Teve o primeiro beijo na boca, cuspo, fedia a álcool, a língua dele na sua boca, fechou os olhos, as mãos dele a abrirem-lhe com força a camisa, saltou um botão, as mãos dele geladas nos seus peitos, e o que é que lhe dizia?  "sei o que tu queres, tu queres é isto". O barulho à volta, próximo, demasiado perto, alertou-a. Não estavam sozinhos. Empurrou-o e fugiu, entre risos dele e de outros.

 

Vergonha.

Devia ter sabido. Porque outra razão a chamaria?

Burra, Parva.

E suja, enojada com o cheiro dele que nela sentia, como se a tivesse marcado.

 

Voltou mais tarde ao local do crime.

Vazio e sujo, ainda não fora a sala limpa, garrafas e copos espalhados pelos móveis.

No chão encontrou o botão arrancado, premiu-o com força e guardou-o: "um dia mato-o e mato-me".

 

Talismã ou estigma. Levava-o consigo numa algibeira, sempre ciente de que lá estava, de vez em quando procurava-o, segurava-o nas pontas dos dedos, carregava nele com o indicador ou o polegar, acuado contra o pano do bolso, não podia fugir-lhe.

Ou então deixava-o escondido, no fundo de uma gaveta, mas sem esquecer que lá estava.

Atormentava-a e motivava-a.

Planeou destruir o botão com um martelo. Nessa noite sonhou que o fazia ao Jaime e amigos, e não foi um pesadelo. De manhã até lhe pareceu que o botão sorria.

Mudaram de casa, nunca mais os viu.

 

Depois cresceu e deitou fora o botão.

4 comentários:

  1. Sim, foi o melhor que ela fez. Para quê querer guardar objetos de memórias que fedem?
    Gostei muito do ritmo do texto. Retrata bem experiências de bastantes adolescentes.
    Um beijinho
    M. olamariana.blogspot.com

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  2. Belo texto!
    (é bom ter mais do que as 300 palavras, não achaste?)
    O "crime" corre-te nas veias de escritora!
    E consegues fazer com que nos ponhamos na pele dela.
    Agora é esperar para ver se passas à próxima etapa.

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  3. É o estilo que mais gosto, o teu. Talvez porque seja eu um pouco ingênua e lenta para perceber a maldade dos outros. Parabéns!!!. Tens o dom.

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  4. Um texto muito interessante com ritmo e emoção.
    Abraço e saúde

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