quinta-feira, março 12, 2020

Post 7372 - Desafio de Escrita (19/47) 9/10 - O que vejo da minha janela





Moro no trigésimo andar, que rua estreita separa dos edifícios do outro lado. Sinto‑me mais próximo do vizinho da frente que das pessoas que vejo na rua, do tamanho de formigas.
De há meses para cá comecei a seguir com atenção a vida do casal em frente. Talvez porque me vi sozinho -  a mulher revolveu “dar um tempo” e foi para casa da mãe, ou porque a mulher do meu vizinho era uma loura lindíssima com um riso alegre que adivinhava ou conseguia até escutar nos dias de calor.
Apercebi-me de que também discutiam com reconciliações apaixonadas, da sala iriam para o quarto, deixando eu de os ver, mas adivinhando o que se seguiria.
No entanto, a última discussão foi diferente. Gritavam um com o outro e ele cresceu para ela. Acreditei que a iria agredir quando tive de responder ao bater incessante à minha porta. Era a entrega de uma encomenda. Assinei e corri de volta para a janela.
Já não os vi. Era impossível que tão depressa pudessem ter passado da discussão para a reconciliação.
Continuei atento e cada vez mais preocupado. Voltei a vê-lo a ele, na sala. Jantava com a televisão ligada e apagava a luz quando se ia deitar. Mas ela, nada. Nunca mais ouvi o riso alegre.
Ontem, já tarde, vejo-o a vir do quarto com um volume pesado e depois na rua a puxar o tal volume para o carro estacionado perto.
Liguei à Polícia e contei-lhes que acabara de ver: o vizinho a levar o cadáver da esposa para o carro. Vi-os chegar. Rodearem-no. Abriram a mala do carro e subiram.
Lá dentro apareceu a loura de roupão com ar engripado. Estava viva!
O agente apontou pela janela e os três olharam para mim.
Pondero agora mudar-me para casa de sogra


16 comentários:

  1. Rear Window, de Hitchcock, viu?
    Beijinhos

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    1. Vi, adorei e lembrei-me do filme para escrever este texto :)
      um beijinho

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  2. Gostei muito
    Todos nós temos (mais ou menos activo) um lado voyeur.
    As janelas é que variam, geralmente não as do vizinho, mas os livros, os jornais, há sempre uma curiosidade sobre como o outro vive e pensa.
    E colocaste uma nota leve sobre a angústia que nos assalta a todos.
    Parabéns!

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  3. Tipo Janela Indiscreta mas com um final menos dramático!

    Abraço

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  4. Eu contei algo parecido, mas no texto
    eu dizia de um marido ciumento que achou
    que a mulher o traia porque viu seu carro
    adentrando ao motel quando na verdade era
    o irmão dela a quem emprestara o veículo.
    Adorei a escrita, não a minha, mas esta, a
    sua. (rs)
    Um abração sem confusão.

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    1. Será que também está no mesmo Desafio de Escrita?
      E onde poderei ler o seu texto?
      um abraço

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  5. Por vezes as aparências enganam.
    Gostei da história, que tem uma boa narrativa.
    Continuação de boa semana.
    Abraço.

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  6. Nem sempre o que parece é.
    Gostei muito desta história que poderia ser real.

    Beijos Gábi

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  7. Que história tão envolvente.
    Da minha janela vejo caixinhas de fósforos e vizinhos na sua vida fútil.
    Um grande sorriso de luz.
    Megy Maia

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    1. Obrigada Magy Maia e um grande sorriso de luz também :)

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  8. Hahahah, agora vai ser ao contrário? Adorei este conto! Venham mais!:)
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    Arrepiam-me tuas palavras saídas d'alma.
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    Beijo e uma excelente noite!

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    1. Muito obrigada Cidália Ferreira
      um beijinho e uma excelente noite também

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