Post 7185 - Desafio de Escrita 5/10 O morto vivo

Lembrava-se de ter tido frio, um frio que a certa altura lhe fizera arder as mãos e os pés primeiro, enquanto pouco a pouco lhe crescia pelos braços e pernas, até que deixara de o sentir. Teria adormecido, mas onde estaria agora?

Não se conseguia mexer. Tinha os olhos abertos mas a escuridão nada o deixava ver. Enquanto se ia habituando ao espaço onde estava, a negritude ao seu redor cedia um pouco. Estaria numa caixa?

Ao longe sons definiam-se. Um cão que ladrava a farejava. Uma porta que se abria. Passos decididos na sua direcção. Alguém levantou a tampa da caixa onde se encontrava e a luz que irrompeu cegou-o.

- Temos de nos livrar disto! Alguém disse. A voz soou-lhe familiar. Assim como a voz que lhe respondeu: “Pega-lhe pelos pés que eu agarro a cabeça”.

Falavam dele!

Mas como “disto”? Despiam-no da sua humanidade, referiam-se a ele como um objecto.

- Não deveria estar mais gelado? Perguntou o segundo.

- Ontem falhou a energia ou a arca avariou.

Sentiu que o puxavam e onde lhe tocavam. Não saberia se conseguiria mexer-se. Não tentou fazê-lo.

Levaram-no para fora e para uma carrinha de caixa aberta. Taparam‑no com um toldo. Iniciaram a marcha. O seu corpo sacudia com os solavancos da estrada e aquecia com o calor do dia.

Pouco a pouco e como raios de luz também o sacudiam as memórias do dia anterior.

Aqueles homens eram os seus antigos sócios. Desconfiara que não tinham dinheiro para lhe pagar a quota que vendera. Na noite anterior mais uma vez exigira o seu pagamento. E eles tinham-no esfaqueado! Lembrou-se da dor no peito. Julgaram-no morto, mas resistira.

Percebeu pelos sons que atravessavam uma cidade. Aproveitou o solavanco de uma travagem para projectar-se para a rua.

Estranhos rodearam-no. E salvaram-no.