Pode um segredo unir-nos
e definir quem somos.
Intervalo das aulas em
tarde de Inverno.
Não há muito para fazer
cá fora. Os rapazes jogam à bola. Têm brincadeiras brutas, com pontapés e
lapadas uns aos outros. Em grupo são meio assustadores.
Então noto que não é com
uma bola que jogam. Perto de mim jaz o corpo de uma boneca. Arrancaram-lhe a
cabeça que lhes serve de bola. Ela parece-se com a minha boneca Joaninha. Já
não brinco com ela - tenho dez anos, sou crescida para brincar com bonecas -
mas deixo-a em cima da cama quando saio para a escola e gosto de a reencontrar
quando regresso. Foi o meu segredo para
não ter medo de trovões nem de dormir no escuro. Não estava sozinha, porque ela
estava comigo.
Não devem tê-la tirado a
nenhuma menina, as funcionárias não o deixariam e não podemos trazer brinquedos
para a escola.
Alguém tê-la-á deitado
fora e eles encontraram-na. Parece-se com a Joaninha. Não é uma boneca cara.
Não é daqueles que falam ou andam. Tem rosto e corpo de bebe. Devia ser
abraçada e não pontapeada. Pego com cuidado no seu corpo. Queria ter a coragem
de ir para o meio do jogo e salvá-la. Se tentasse dizer-lhes alguma coisa não
me iam ouvir.
Começa a chover fininho e
toca para dentro quando o Rui num pontapé a manda para as silvas. O Delfim que
é baixinho e por isso muitas vezes não o escolhem para jogar, grita para os
outros que irá buscar a bola. Todos vão para dentro, cá fora só ficamos os
dois. Quero pedir-lhe a cabeça, mas não sei como.
Ele olha para mim e
diz-me enquanto me a entrega: “esconde-a, será o nosso segredo”.
Baptizei-a Ana.
Afinal os rapazes não são
assim tão maus.
Pois não são. Bastante simples e comovedor e gostei bastante!
ResponderEliminarBeijos