quinta-feira, outubro 19, 2017

Post... Desafio de escrita 6/10 O Bilhete


Ana não sabia o que a fez ver e apanhar do chão, do meio da rua, aquele bilhete meio rasgado.
Ia a atravessar sem ser pela passadeira, mas ciente que o pouco movimento não a colocava em perigo – só de quando em quando passava algum carro e era quase sempre alguém perdido, hesitante em velocidade reduzida antes de inverter a direcção – quando o viu. Teria sido empurrado para ali pelo vento e aprisionado pelos paralelepípedos até que uma rabanada mais forte dali o levasse ou que com o tempo se desintegrasse e para sempre desaparecesse.
O papel era de qualidade, pela espessura e cor, e alguém lá tinha escrito algo, não impresso, mas manuscrito com uma letra muito bonita:

Minha querida
Não quero nem consigo dizer-te adeus.
Diz-me se poderei ter alguma esperança e esperarei por ti.
Se não me responderes, ir-me-ei embora para sempre.

Nada mais se percebia, água ou lama tinha diluído a tinta.
Nunca o Jaime lhe tinha escrito nada manuscrito, tinham apenas trocado sms e emails, mas não teve dúvidas que o papel era dele. Ele devia ter colocado o bilhete no seu carro quando se tinham despedido na noite anterior. Imaginou-o a prendê-lo no pára-brisas. Perturbada como estava, ela não reparara nele e o papel voara até ficar preso ali. Já hesitava e se arrependia da sua decisão de terminarem, e aquele gesto tão romântico foi decisivo. Com aquela fachada de indiferença ele era afinal romântico e sensível.
Ligou-lhe.
Não ficou tudo resolvido mas conseguiram retomar de onde estavam.
E viveram mais ou menos felizes por um ano e meio até ela descobrir uma lista que ele fizera de itens para a oficina.
A letra não era a mesma.


8 comentários: