O tempo agora corre diferente.
Não registo horas ou dias, sinto o calor do sol de
dia, o frio da noite e da chuva. Durmo na rua, como o que encontro no lixo.
No passado, alguém disse que fora uma sorte ter saído
antes, uma sorte não estar ferida.
Sorte.
Essa palavra, sorte, não tem sentido.
Depois também houve quem dissesse que estava bêbada ou
era louca.
Até que deixaram de me ver.
Quer me encolha num passeio, quer me arraste pelas
ruas, sou invisível, talvez me contornem para evitar um toque indesejável, como
se fosse uma pedra ou um plástico, lixo deixado no chão.
Já fui filha, mulher amante, mãe. Tive amigos, acho
que sim, mas foi quando desapareceram os primeiros que parte de mim morreu.
Só estranhos encontro agora, estranha para eles sou.
Pai que me protegia, mãe que me cuidava, o meu amor
maior e o mais pequenino, ainda tão criança.
Soube das suas mortes em intervalos de horas. A nossa
casa ruiu e dos escombros apenas saíram os seus corpos sem vida.
Gritei, acho que sim. Havia outros gritos mais
pungentes que os meus, seriam os meus?
Fiquei sem nada e o que mais queria era algo deles, um
retrato, um escrito, um brinquedo. Quando durmo, acordo com os pesadelos de estar
a esquecer-me de como eram as suas vozes, os seus traços. Que dor se vejo
alguém parecido. Não são eles. Nunca mais serão eles.
Se não posso vê-los a eles, que não me veja ninguém,
porque já não vivo, existo.
O ser humano consegue suportar a dor suprema e ainda continuar sua luta!
ResponderEliminar