quinta-feira, fevereiro 16, 2023

CNEC 63/35 - 5/10 - Objecto preferido


Quando eu era pequena tive um objecto preferido.

Desde então, acho que não voltou a suceder-me. São tantos, que se repetem e confundem, como os livros.

Lembro-me de já nessa altura ter pensado que no caso de um incêndio, para mim seria fácil saber o que salvar – claro que primeiro assente que pais, irmãs e avó, estavam fora de casa e de perigo.

Imaginava que para a minha irmã mais velha seria bem difícil essa situação enquanto detentora nessa altura e fã fervorosa de muitos livros. Teria de efectuar várias viagens para os salvar a todos.

Para mim seria fácil, apenas um e leve.

Só que não era um objecto, mas a Joaninha.

Recebia-a num Natal. Veio de Lisboa na mala da avó. Fomos esperá-la à estação de Campanhã. Uma aventura, como era sempre, mas nas chegadas, uma aventura feliz. Barulhos e cheiros diferentes, precipícios por onde vinham os comboios, túneis que lembravam filmes em que era preciso estar com atenção para se saber qual a saída certa.

Ela era tão perfeita que até pensei, mas não contei a ninguém, se seria mesmo para mim, se a avó não se teria enganado e a destinatária não seria antes a minha irmã mais nova. Não o perguntei então (ainda ficava sem ela). Nunca o saberei.

Levava-a para todo o lado, até nas viagens a Lisboa e a Trás-os-Montes, a casa dos avós dos dois lados. Tinha a mala dela, um pijama vermelho e dois vestidos, um feito pela costureira com um retalho de tecido, branco com bolinhas amarelas, o outro, que ela usava e gostava mais, feito pela minha avó, azul e branco

Em muitas das minhas fotografias de criança, estamos as duas.

Com ela não tinha medo do escuro ou de estar sozinha, porque com ela não o estava.

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