quinta-feira, setembro 29, 2022

CNEC 61/33 - 10/10 - A carta

 

A carta estava pousada em cima da mesa e estava, estranhamente, assinada por ela.

“Eu matei o Ben.

Devo pagar pelo que fiz.

Não me procurem.

Lizandra”

Parecia a sua letra, mas sê-lo-ia mesmo?

Eram recentes os rumores sobre a morte de Ben. Fora encontrado em casa caído no chão. Já tinha alguma idade e sofria do coração. No tribunal até dispensaram a autópsia. Após breve vigília fora cremado e a vida seguira.

Quando se soube do testamento, instalou-se o burburinho na aldeia. Porque haveria de ter deixado tudo à viúva? Em vida fora tão amigo dos enteados para depois não lhes deixar nada? E porquê tanta pressa tivera ela em ver-se livre do corpo?

Ouviram-na aos gritos quando os miúdos – os dois já adultos, mas na vila ainda os viam assim – passaram pela casa para levar umas poucas recordações. Eram filhos da primeira mulher do Ben e ele tratava-os como filhos. Até lhes pagou os estudos e deu um carro ao rapaz. A viúva arrumou um escarcéu, que não podiam levar os relógios, que ali nada era deles.

Expulsou-os da casa onde tinham crescido como se fossem uns meliantes ou pedintes. A rapariga ia a chorar, “que aquilo não se fazia”, “que ela não tinha coração”.

E agora isto. A Lizandra desaparecida e aquela carta. Não parecia dela. Assumira-se como dona de tudo e a todos tratava com sobranceria.

Enquanto sargento encarregado do Posto decidiu organizar uma busca. Mais tarde analisariam a carta. Urgente era encontrarem a mulher e saber o que fora feito dela.

 

Ela veio a aparecer dias depois e teve de explicar o que sucedera quando foi apresentar queixa. Sumira-se-lhe o orgulho quando contou que tivera um amante. Quando decidiu terminar com ele, obrigou-a a escrever a carta e quase a matou. Queria vingança ou justiça.

10 comentários:

  1. Lisandra. Eis o drama de Lisandra, que lembra os muitos personagens de A vida como ela é, e de outras histórias de Nelson Rodrigues. Uma mulher de classe média, casada, que tem “um caso” com um “malandro”, que tudo o que quer é se aproveitar da “carência afetiva” dela e, agora, Lisandra, às voltas com as investigações, tem que deixar seu "orgulho" debaixo do tapete. "A vida como ela é"
    nomeada pela poeta com estilo

    Muito bom, Gábi!
    Um abraço,

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  2. Tem continuidade, Gábi? Gostaria de saber se o Ben morreu de morte natural ou se foi a viúva que o matou...mas sem corpo não vai ser fácil.
    Gostei. :)
    Beijinho

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    1. So falando com a LIzandra é que iremos saber...
      Obrigada Janita, um beijinho

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  3. Ben me quer??
    Gostei de ler.
    Beijinho, bfds

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    1. Completamente :)
      obrigada e um beijinho e bom fim-de-semana

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  4. Um excelente princípio para um filme policial!
    Desconfio da Lizandra!

    Abraço

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  5. E acho que desconfias muito bem :)
    um abraço e bom fim-de-semana

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  6. Sempre textos com suspense e fins desconcertantes:)) Gostei muito!
    Beijocas e um bom sábado

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  7. Muito bom!
    Haverá continuação?
    Abraço, saúde, bom fim de semana e um feliz outubro

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