quinta-feira, novembro 18, 2021

CNEC 57/29 - 10/10 À noite

 

Era tão tarde que até os pais se tinham deitado.

Tudo estava escuro, mas parecia que a casa respirava. Talvez ao ritmo da respiração dos pais que dormiam no quarto ao lado.

Tinha calor e mandou o cobertor para baixo. Logo a seguir teve frio. Ergueu-se. Respirou o escuro e o frio do quarto que arrefecia. Virou as pernas para o lado, e com um salto acertou no tapete, também frio.

Algo estava errado. Só não sabia bem o quê.  

Tinha quase a certeza que se andasse três passos chegaria à porta do quarto, que deveria estar entreaberta, mais alguns passos e chegaria ao quarto dos pais. Sem conseguir ver nada receava dar um primeiro passo e cair num buraco.

Na última vez em que acordara de noite e fora ao quarto deles não correra bem. O pai zangara-se. Com uma voz séria avisara que ele tinha de se habituar a dormir no seu quarto, sobretudo agora que a mãe tinha de descansar. A mãe não dissera nada. Olhara para ele com o olhar triste que agora usava quase sempre. Era mais por isso que não devia ir lá, para que a mãe dormisse e deixasse de estar triste.

Estava com frio e sozinho. Ou não estaria?

Em frente, no caixote dos brinquedos, um olhar brilhava e fixara-se nele.

A curiosidade venceu o medo e pé ante pé aproximou-se.

Uma vozinha segredou então:

- Lembras-te de mim?

Respondeu-lhe também baixinho: “Não”, mas mudou para: “Não sei”. Havia algo de familiar nos olhos e na voz. Chegou-se mais perto, estendeu a mão e tocou-lhe. Reconheceu-o pelo tacto. O seu ursinho de peluche, esquecido há tanto tempo.

- O pai não te deitou fora?

- Escondi-me e agora voltei.

Os dois foram para a sua cama. Aqueceram-se um ao outro e adormeceu.

 

1 comentário:

  1. Às vezes a fantasia da criança é o aconchego que não consegue junto aos pais.
    Beijocas.

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