terça-feira, dezembro 22, 2020

Post 7843 - CNEC 52/24, 5/10 - Conto de Natal

 

Faltavam dois dias para o Natal quando o marido anunciou: “Convidei um colega para a ceia”.

Casados há doze anos era em casa deles que faziam a festa, com os pais de ambos, sem crianças. Queriam filhos, mas não conseguia engravidar e a esperança ia diminuindo.

Divagara para algo que a entristecia, quando algo recente a incomodava. É que nem sequer lhe perguntou antes. Não. Comunicou‑lhe. E quem era? Não teria com quem estar?

Durante o dia foi mastigando o sucedido. Quando ele voltou do trabalho discutiram. Ele acabou por dar-lhe razão, mas não ia agora dizer ao rapaz que ficara sem efeito. Estava longe da família, convidou-o para que não passasse o Natal sozinho.

E o Manuel veio. Os mais-velhos gostaram dele. Ouvia com atenção o que lhe diziam. Ajudou a servir e a lavar os pratos.

No final do jantar apareceu com prendas. Uma garrafa de vinho para o marido, postais antigos para os mais velhos. Para ela, nada. Sentiu‑se como uma criança, entusiasmada, depois decepcionada.

Nas despedidas, o Manuel falou baixinho para ela “no próximo Natal vai estar aqui uma criança”.

Pensou depois se teria ouvido bem, ou se estaria com uma alucinação auditiva, quiçá pelo vinho do Porto. Algo lhe dizia, todavia, que poderia ser essa a sua prenda. Não queria alimentar a esperança, mas depois confirmou-se, estava grávida.

Não podia haver nenhuma relação, mas perguntou ao marido:

- O teu colega, como vai?

- Qual?

- O Manuel.

- Despediu-se, mudou-se e o número que deixou foi cancelado. Era bom tipo, mas diferente.

Ela lembrou-se do verso “o mundo for o espaço onde cabe um só abraço.”

Nos Natais seguintes, além do seu filho, passaram a ter mais alguém. Passou a fazer parte da celebração convidarem um estranho que estivesse sozinho, para cear com eles.

 

(utilizei conto que tinha escrito para a Colectânea mas tive de cortar mais de duzentas palavras e rescrever parte)

Vou transcrever para aqui o poema Natal de António Sérgio (aprendi-o de cor para o declamar na festa de Natal da 4ª classe/4º ano)

NATAL - António Sérgio
Enquanto a chuva
Escorrer da minha vidraça
E furar o telhado
Daquele farrapo de homem que além passa
Enquanto o pão
Não entrar com a Justiça
Lado a lado
Mão a mão
Nem Jesus vem
Andar pelos caminhos onde os outros vão
Um dia
Quando for Natal
(E já não for Dezembro)
E o mundo for o espaço
Onde cabe
Um só abraço
Então
Jesus virá
E será
À flor de tudo
O Redentor
Universal
(Quando o Homem quiser
Será Natal)
In Poemas de Natal

6 comentários:

  1. Gostei muito de ler. Afinal existe sempre algo de bom no desconhecido
    .
    Deixando votos de um SANTO E FELIZ NATAL,
    extensivo a toda a sua família e amigos/as.

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  2. Super... simplesmente fantástico!!:)))
    Que todos tenhamos a noção de que o perigo nos prossegue e espreita em cada esquina. Feliz Natal

    .
    É OUTRA VEZ NATAL...
    .
    Beijos festivos

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  3. Muito bonito o Conto, Gábi.
    E o menino que o conviva misterioso anunciou, chamaram-lhe Manuel?

    Um beijinho e Bom Natal.

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    Respostas
    1. Talvez...ou Emanuel
      um beijinho, obrigada e Bom Natal também Janita

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  4. Desejamos um Bom Natal 2020 com saúde
    E uma entrada em 2021 com pezinhos de lâ:-)
    Paula e Rui

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