sábado, dezembro 05, 2020

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Queria escrever uma história de Natal na qual recordasse o meu pai, Alcino Do Fundo Lopes.

Olho para trás e lembro-me de Natais com prendas, doces, um presépio e um pinheiro de Natal, e em que estávamos todos juntos, mas sem nada que sobressaia. Nos meus Natais felizes não encontrei histórias.

Num desses Natais o meu pai contou-nos que quando era criança nunca teve prendas.

Cresceu na então aldeia de Argozelo, em Trás-os-Montes, com Invernos gelados em que as famílias se juntavam à volta da lareira e ceavam polvo.

Ele trabalhou como médico veterinário para que tivéssemos uma casa, comida, prendas e Natais felizes.

Então pensei escrever uma história em que houvesse uma família e algo que nos fizesse pensar no sentido do Natal e escrevi:

 

Um Estranho na Ceia

 

Faltavam dois dias para o Natal quando o marido lhe disse: “Convidei um colega para a ceia”.

Nunca o tinha feito antes e nem sequer lhe perguntou.

Estavam casados há doze anos. Desde há cinco que era em casa deles que faziam a festa. Convidavam os pais dele e dela e uma sua tia avó. Não havia crianças. Queriam ter filhos desde que se casaram, mas não conseguia engravidar. Tinham ido ao médico, feito exames. À partida, eram saudáveis, ainda eram jovens, mas a esperança ia diminuindo.

Divagara para algo que a entristecia, quando no momento algo mais recente a incomodava. É que nem sequer lhe perguntou ou pediu a sua opinião. Não. Comunicou‑lhe que ia trazer o colega. E quem era este colega? Não teria família com quem passar o Natal? Tinha ficado tão estarrecida que nem lhe perguntou.

Durante o dia foi mastigando o sucedido e quando ele voltou do trabalho mal se continha para o confrontar com tudo o que pensara.

Discutiram. Ele acabou por lhe dar razão, mas o mal estava feito. Não ia agora dizer ao rapaz que já não era para vir. Estava longe da família, convidou-o para que não passasse o Natal sozinho.

E o rapaz veio. Chamava-se Manuel, teria trinta e tal anos e usava barba, o que o fazia mais velho. Os seus pais, sogros e tia, gostaram dele: era uma novidade. Ele não falava muito, mas ouvia com atenção o que lhe diziam. Ajudou a servir e depois a lavar os pratos. Gostou de tudo o que lhe serviram.

Afinal era Natal. Já quase perdoara ao marido e ao Manuel a sua vinda quando no final do jantar ele apareceu com umas prendas. Uma garrafa de vinho para o marido, postais antigos para os mais velhos, pais, sogros e tia. E para ela não tinha nada. Sentiu‑se como uma criança, primeiro entusiasmada com a ideia de ganhar uma oferta não esperada, depois decepcionada, mas não o querendo mostrar, porque era uma mulher adulta.

Nas despedidas, o Manuel falou baixinho e só ela ouviu, “no próximo Natal vai estar aqui uma criança”.

Pensou depois se teria ouvido bem, ou se estaria com uma alucinação auditiva, quiçá pelo vinho do Porto que bebera, mas fora só meio cálice. Algo lhe dizia, no entanto, que poderia ser essa a sua prenda de Natal. Não queria alimentar a esperança, para não ter outra decepção, mas algum tempo depois veio a confirmação, estava grávida.

Não podia haver nenhuma relação, de certeza que não. Todavia, como quem não quer nada, perguntou ao marido:

- E o teu colega, como vai?

- Qual colega?

- O Manuel.

- Olha, despediu-se e mudou de cidade. Se calhar voltou para a Terra dele.

- Onde é a Terra dele?

- Não tenho ideia e o número que deixou foi cancelado. Engraçado falares nele. Era bom tipo, mas um bocado estranho.

Ela não o disse, mas pensou-o. Lembrou-se do poema sobre “quando o mundo for o espaço onde cabe um só abraço.”

No Natal seguinte, e nos que depois vieram, além do seu filho, passaram a ter sempre mais alguém. Passou a fazer parte da celebração convidarem um estranho, sem família ou amigos com quem pudesse estar, para cear com eles.

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