quinta-feira, outubro 15, 2020

Post 7746 - CNEC 51/23 - 1/10 - Os amantes do Parque

 

O frio empurrou-os primeiro para as escadas.

Havia dias em que o sol pintava arco-íris nos últimos degraus. No entanto, quase ninguém os via.

Quando avançavam as horas, a escuridão engolia-os, mas acolhia também quem se quisesse resguardar dos olhares da rua.

Era um parque caro e vazio, preterido pelos lugares gratuitos à superfície.

Havia um elevador, quase sempre avariado. Era então preciso empurrar a porta de acesso, pintada de verde e pesada. Saía-se para um pequeno patamar desabrigado, e dava-se com as escadas em cimento e o susto da porta que atrás batia. Cerrava com estrondo o acesso à caverna onde esperavam os carros.

Com tantos estrondos – ninguém se lembrava de a segurar – avariou. Até a virem concertar, passou a admitir a entrada de estranhos sem cartão.

Tinham começado a namorar como por acaso. Achavam-se reciprocamente giros. Eram muito jovens, nem sabiam até ali o que era uma paixão.

Descobriram que de repente o mundo tinha mudado. Quando estavam juntos, nada mais existia, passava a fazer sentido o que antes não o tinha.

Desceram os degraus pelo frio e uma noite empurraram a porta.

Lá dentro atraiu-os a luz branca de presença. Desceram a rampa destinada aos carros e descobriram que havia um terceiro piso, vazio e escuro. Continuaram, mas algo lá lhes impôs silêncio. Talvez o cheiro a bafio. Ouviam o som dos seus passos, cada vez mais curtos. Não deviam estar ali.

Decidiram ir embora quando o alarme começou a tocar e a porta corta-fogo moveu-se. Correram, mas não chegaram a tempo. Ficaram fechados no 3º piso. Juntos e assustados. Iriam julgar que tinham vindo roubar um carro? O que diriam os pais? Ele teve a ideia de experimentar o elevador, apesar dos avisos de avariado. A porta abriu-se, entraram, e moveu-se, para o piso – 4.

 


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