quinta-feira, setembro 24, 2020

Post 7719 - CNEC (50/22) 10/10 - Sol em dias de chuva

 Começou o Outono num dia de Inverno.

Céu enevoado, a ameaçar chuva, frio e muito vento.

Não queria ficar em casa, não tinha também para onde ir.

Saiu simplesmente a remoer a tristeza e a raiva. Os seus passos levaram-na ao jardim público próximo. Eram quatro da tarde e estava vazio. Pôde por isso escolher o assento e abancou no primeiro que viu. Havia quatro bancos espalhados, todos de madeira, pintados de vermelho a desbotar. Sentiu o frio nas nádegas e a dureza das tábuas. Olhou à sua volta. As árvores ainda mantinham grande parte das folhas. Algumas recém arrancadas pelo vento, erguiam-se em fúria em remoinhos baixos.

Ao longe avistou pais e avós que iam buscar os filhos e netos ao Colégio. Num outro dia talvez aproveitassem para passear pelo jardim. Naquele apressavam-se a fugir do frio, temendo a chuva.

Não tinha tido filhos, não teria netos.

Viúva há cinco anos, reformada há mais de dez, fora-lhe a vida madrasta, ou os últimos tempos em solidão amarguraram-na.

Algo lhe tocou num joelho e assustou-a. Baixou os olhos e viu-o. Era um cãozito preto e magro, de pelo sujo e sem trela, mas com olhos bons. Pensou e disse-lhe “andas também largado na vida”. Fez-lhe uma festa e ele não fugiu, ficou depois ao seu lado. Os dois a olharem as árvores e folhas e o dia que escurecia.

Quando finalmente se levantou, sabia que ele viria com ela, e foi assim. Acolheu-o e adoptou-o, como ele a tinha escolhido primeiro a ela.

Não ficou de repente tudo melhor, mas ajudou-a, ter companhia e um propósito.

Fê-la também lembrar-se de que havia sol em dias de chuva.


6 comentários:

  1. Encontrou o mais fiel de todos os amigos.
    Beijinho

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  2. A doença mais grave do século, a solidão. Fechamo-nos em casa a falar para um écran e não dialogamos uns com os outros, que sociedade triste e só !!! :(((
    Gostei do texto Gabriela
    Abraço

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  3. Gostei do que li, Gábi.
    Bom fim de semana.

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  4. Gosto da subtileza com que nos transporta do Outono para o tema da solidão e deixa aberta a porta à esperança.

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  5. Uma história triste que acabou bem!

    Abraço

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