quinta-feira, agosto 13, 2020

Post 7633 - CNEC 50/22 - 4/10 - A caneta




O papa queria a sua caneta.
Não me lembrava bem de como era, nem sabia onde estava.
Procurei-a nos lugares mais prováveis: as gavetas da secretária na sala e da cómoda no quarto. Não a encontrei.
Fui buscar uma minha nova que nunca tinha usado. Fora-me oferecida por uma amiga porque sim ou por colegas num aniversário.
Não a quis.
A dele escrevia muito bem. Muito melhor do que aquela que lhe trouxe e não quis sequer experimentar.
A dele acompanhou-o nos anos em que trabalhou como médico veterinário, mais de quarenta anos, para escrever e assinar receitas. Tê-la-á usado também nos contratos para compra de carro e da casa e na emissão de cheques – o meu pai não queria cartões. Tinha uma letra muito bonita, quando escrevia ou quando assinava o seu nome: Alcino Do Fundo Lopes.
Quando éramos crianças ainda não havia telemóveis e aprendemos a atender e a anotar as chamadas. Tínhamos de ficar com o nome e o número de telefone e uma ideia do que era preciso, como “tirar as secundinas” - algo relacionado com um parto complicado de uma vaca. Às vezes íamos com ele. Metia o carro por estradas secundárias  ou caminhos de terra até chegar onde era preciso. Vinha ter com ele o lavrador ou criador. Quando havia cães a ladrar eu tinha medo e preferia ficar no carro, mas cheguei a brincar com os filhos quando estavam por lá.

Disse-lhe que o ajudaria a encontrar a caneta no dia seguinte. Não o fiz. Porque me esqueci ou tinha algo muito importante a fazer.
Dias depois o meu pai morreu.
Se agora encontrar a caneta acho que vou chorar.
Queria ter sido melhor e queria ter-lhe mostrado muito mais como gosto tanto dele.

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