quinta-feira, outubro 30, 2025

Texto para tentar participar na Colectânea de Natal

 

 

As luzes que ficam

 

 

Mesmo quando alguém parte, o amor que essa pessoa deixou é uma chama que não se apaga. O Natal não é sobre quem falta, é sobre o que permanece iluminado em nós.

 

A casa parecia maior e mais escura no final daquele ano.

Apesar da época, a chuva e o frio também tinham esvaziado as ruas, ou assim lhe parecia.

Talvez fosse o silêncio — um silêncio novo, que parecia ocupar todos os cantos da casa desde que os seus pais tinham partido, os únicos sons que ouvia eram o do vento  e da chuva batendo nas janelas.

A caixa dos enfeites de Natal permanecia arrumada e fechada, no cimo de uma estante, na sala.

Podia passar por ela todos os dias, mas nem  a via. Não havia ânimo para montar a árvore com os enfeites, ligar luzes ou abrir o presépio de cartão.

Nessa noite, quando já escurecia, também a eletricidade foi abaixo, na casa e na rua. A tatear, sem se lembrar onde colocara o telemóvel ou uma lanterna, lembrou-se de ir procurar numa gaveta do armário da cozinha, onde a sua mãe guardava velas e fósforos. E encontrou-os lá, como que à espera de voltarem a ser precisos.

Segurou uma vela entre os dedos e riscou o fósforo. A chama tremulou, pequena, tímida — e nesse mesmo momento uma brisa leve atravessou a janela, fazendo a cortina esvoaçar.

Enquanto ardia a chama, derretendo a cera, além da vela, também o quarto ficara mais quente. Sentiu o cheiro a canela do leite creme que a mãe ou a avó faziam.

Nos dias seguintes, passou a acender uma vela por noite.

E cada chama parecia trazer uma memória.

A de quando era criança e o pai lhes dava moedinhas que foram juntando para mais prendas de Natal, ou lhes contava histórias à noite, como a da galinha dos ovos de oito.

A de irem esperar a avó na Estação de Campanhã – ouviu o barulho do comboio que chegava, sentiu o ar frio e o cheiro da estação.

A de como a mãe queria que todos tivessem uma prenda especial.

A de estarem todos juntos em casa, onde havia calor, comida, luz e brinquedos.

Sem perceber, a casa foi se transformando.

Podia não haver árvore, nem enfeites, mas havia luz.

Pequenas chamas tinham iluminado ao longo daquelas noites as paredes, móveis, quadros e retratos.

Na véspera de Natal, restava apenas uma vela.

Acendeu-a com cuidado e colocou-a na janela da sala.

O fogo tremulou com mais força, iluminando o vidro.

Olhou para o reflexo e, por um instante, viu algo ali — um brilho, um contorno, um sorriso. Sentiu que o calor lhe enchia o coração.

As pessoas que nos são queridas, pensou, não vão embora, ficam connosco como a luz. O amor permanece e continua a iluminar-nos.

 

 

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