Durante anos ele marcou a passagem do tempo, sem se enganar ou se atrasar
um segundo que fosse, sublinhou todas as horas, “dong, dong, dong”, um som melodioso
e audível, companhia de todos os dias
Tinha o seu lugar na sala de estar, pendurado na parede, entre os quadros
de molduras douradas e paisagens bucólicas. Espreitou as visitas que se
sentavam nos sofás. Reparou como foram rareando, assim como o tom do tecido
rosa dos sofás ia ficando esbatido e os cortinados menos transparentes.
O Rique, filho do casal, foi estudar para fora, formou-se doutor, passou
a morar longe.
Ao Sr. Doutor que pouco parava em casa, a reforma caiu mal, também ele
desapareceu.
Ficou só a Dona Ema. Era ela que lhe dava corda, cada dia, pelas três da
tarde, logo a seguir ao “dong, dong, dong” com que a saudava. Ouvia os seus
passos leves, via-a a olhar para si, sentia as suas mãos suaves a trazerem-lhe
força para continuar sempre, sem se atrasar.
Até àquele dia.
A humidade infiltrara-se pela parede, escondida pelo papel de parede rosa
e pela estante, foi corroendo o estuque do parafuso que o suportava. Antes das
quinze horas, e a casa no maior silêncio, viu-se a cair no chão desemparado,
com estrondo.
A Dona Ema queria socorre-lo, mas já não andava muito bem. Não ligara aos
suores frios, à dor no braço. Estava tão frágil que o inesperado foi suficiente
para a fazer cair sobre o sofá. Quem iria valer-lhes aos dois?
Por sorte vivia ao lado uma amiga. Mais que o estrondo, estranhou a falta
do “dong, dong, dong”. Ligou à Dona Ema e ao 112.
O médico disse depois à D. Ema que por pouco que se salvara, mais uns
dias, seria tarde demais.
O relógio avariado foi também concertado.
Dois assim em minha casa de Coimbra.
ResponderEliminarA trabalhar bestialmente bem.
Um na sala (era dos meus avós) e outro no escritório que comprei aos CTT.
Beijinho