quinta-feira, março 14, 2024

CNEC 67/39 - 9/10

 

 

 

Durante anos ele marcou a passagem do tempo, sem se enganar ou se atrasar um segundo que fosse, sublinhou todas as horas, “dong, dong, dong”, um som melodioso e audível, companhia de todos os dias

Tinha o seu lugar na sala de estar, pendurado na parede, entre os quadros de molduras douradas e paisagens bucólicas. Espreitou as visitas que se sentavam nos sofás. Reparou como foram rareando, assim como o tom do tecido rosa dos sofás ia ficando esbatido e os cortinados menos transparentes.

O Rique, filho do casal, foi estudar para fora, formou-se doutor, passou a morar longe.

Ao Sr. Doutor que pouco parava em casa, a reforma caiu mal, também ele desapareceu.

Ficou só a Dona Ema. Era ela que lhe dava corda, cada dia, pelas três da tarde, logo a seguir ao “dong, dong, dong” com que a saudava. Ouvia os seus passos leves, via-a a olhar para si, sentia as suas mãos suaves a trazerem-lhe força para continuar sempre, sem se atrasar.

Até àquele dia.

A humidade infiltrara-se pela parede, escondida pelo papel de parede rosa e pela estante, foi corroendo o estuque do parafuso que o suportava. Antes das quinze horas, e a casa no maior silêncio, viu-se a cair no chão desemparado, com estrondo.

A Dona Ema queria socorre-lo, mas já não andava muito bem. Não ligara aos suores frios, à dor no braço. Estava tão frágil que o inesperado foi suficiente para a fazer cair sobre o sofá. Quem iria valer-lhes aos dois?

Por sorte vivia ao lado uma amiga. Mais que o estrondo, estranhou a falta do “dong, dong, dong”. Ligou à Dona Ema e ao 112.

O médico disse depois à D. Ema que por pouco que se salvara, mais uns dias, seria tarde demais.

O relógio avariado foi também concertado.

 

1 comentário:

  1. Dois assim em minha casa de Coimbra.
    A trabalhar bestialmente bem.
    Um na sala (era dos meus avós) e outro no escritório que comprei aos CTT.
    Beijinho

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