Quando despertou teve
logo a sensação que algo de estranho se passava.
Como nas últimas
madrugadas, os primeiros raios de rol irrompiam pelas cortinas não corridas.
Ouvia o barulho dos saltos da vizinha de cima a aprontar-se para o trabalho e
mais ao longe o do trânsito intenso na via rápida.
Levantou-se sem saber o
que seria.
Foi só no duche que o
percebeu.
Era seu hábito entoar
alguma música que meio alheadamente escolhia. Mostrando-se o dia como de sol e
céu azul lembrou-se do “Volare”, com o “Nel Blu di Pinto di Blu”
Abriu a boca e…
nada…
Nem um som…
Tentou pigarrear e nada se
ouviu. Apenas o indiferente barulho da água do chuveiro o cercava.
Enxaguou-se, vestiu-se e sentou-se.
O
que seria aquilo? O que se passava? Poderia talvez ligar para a Linha de Saúde.
Não, não podia, não ia conseguir dizer nada. Nem podia ligar um amigo ou para o
112.
Seria
sintoma de recente gripe? Mas não estava já curado?
Mal
como estava, vou trabalhar, decidiu.
Não se cruzou com ninguém
conhecido no prédio, na rua ou no metro. Chegou cedo. Viu o colega Carlos com o
ar aborrecido habitual. Em vez do seu jovial bom-dia, acenou-lhe. O Carlos não
pareceu reparar no diferente cumprimento.
Chegou ao seu cubículo,
ligou o computador e começou a enviar e a classificar o correio.
Foi almoçar ao sítio
habitual. A funcionária trouxe-lhe o prato do menu. No meio da confusão não
pareceu notar que ele com nenhuma palavra contribuía para o elevado voluma de
som na sala.
Passou pelo supermercado,
fez compras, chegou ao fim do dia.
Talvez faltasse algo na
sua vida para que ninguém se apercebesse que estava afónico.
Se não passasse no novo
dia, teria de mudar e
nunca mais poderia cantar
no duche…
Mudos, invisíveis, não é assim que passamos muitos dias??
ResponderEliminarBeijinho