quinta-feira, janeiro 25, 2024

CNEC 67/39 - 2/10

 

 

Sem lentes de contacto, deixei os óculos ao lado do computador porque não preciso deles para ver ao perto, e olho pela janela.

O mundo lá fora é uma tela impressionista, tons de azul para o céu, verde das poucas árvores, cinzentos e dourados da rua e edifícios.

As pessoas são pontos escuros, reveladas pelo movimento.

Os carros, volumes maiores e mais coloridos, movem-se mais depressa.

 

Em criança podia atravessar esta rua de olhos fechados porque quase não havia trânsito e ainda não havia veículos elétricos.

Pelo som, apercebia-me da vinda e da velocidade dos automóveis, para calcular a distância e o tempo que levariam a chegar até onde estava.

Agora não me atreveria a fazê-lo. Os novos carros lembram crocodilos, passam pelas ruas como se estas fossem rios, empurrados pela corrente, escondidos na ausência de som.

 

Só quando tinha dezanove anos é que vi o meu rosto. Desde os nove, dez anos a ter de usar óculos e com a miopia a aumentar progressivamente, só com aquela idade é que comecei a usar lentes de contacto. Sem óculos já não conseguia ver o rosto inteiro e com eles, os meus olhos ficavam muito pequenos.

Quando adolescente, por não gostar de me ver com óculos, andava com eles na mão, só os colocando para confirmar o número do autocarro que queria apanhar. Em resultado não reconhecia ninguém.

Uma vez vi num saco de lixo um grande cão preto, suspeitando da sua estranha imobilidade, usei de todo o cuidado para passar por ele.

 

Quando atualizava as lentes, maravilhava-me o pormenor e detalhes que tudo em redor adquiria – conseguia ver os contornos dos paralelepípedos na rua e as pessoas dentro dos carros.

 

Coloco os óculos e olho de novo pela janela.

Desaparece a tela impressionista, e regressam os detalhes no mundo diferente.

 

 

1 comentário:

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