quarta-feira, outubro 18, 2023

CNEC 66/38 - 5/10

 

O post it amarelo destacava-se na secretária.

Era de mogno, pesada e antiga, e sobre a mesma, nada mais havia.

Precisou de colocar os óculos para ler o que lá estava escrito:

Um dia serás tu”

Seria para ele?

Aquele ainda era o seu escritório. Pouco a pouco tinha-o esvaziado dos livros e papéis.

Tinha oferecido alguns dos livros. Assistira à destruição dos papéis - apontamentos sem importância.

Estava pronto para ser entregue ao seu sucessor no dia seguinte, esvaziado de tudo o que podia lembrar os dias intermináveis que ali passara.

Nos últimos dias chegara como sempre de manhã cedo.

Pendurava o sobretudo no bengaleiro e sentava-se à secretária.

Há muito tempo que ninguém lhe vinha trazer trabalho. Não tinha reuniões ou projectos. Nada para estudar ou para preparar. De vez em quando algum colega espreitava pela porta, que ele deixava aberta. Para confirmarem que ainda ali estava, que não faltara, ou que ainda respirava.

Saía no final do dia, cumprindo sempre o horário.

Tinham começado por preteri-los nas promoções pelos amigos ou graxistas. Quando protestou, disseram-lhe que estava ultrapassado.

Sabia que o tinham enviado para canto, desprezando o seu passado na empresa.

Queriam que ele se despedisse para não terem de o indemnizar. Para o forçarem, deixaram de lhe dar o que fazer.

Não conseguiram.

Vivera tanto que podia passar as horas a recordar os bons e maus momentos.

Vencera-os.

Talvez tivesse sido ele a escrever o post-it, como um aviso para o seu sucessor.

Saiu no final de expediente. Fechou a porta pela última vez, sabendo que em casa, o esperavam a sua família e amigos, e o resto da sua vida com eles.

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