Ela arrastava-se pelas
escadas, mais dolorosamente nas subidas quando com compras. Rangiam-lhe os
joelhos, a mão esquerda magra e nodosa, com as veias azuis salientes, bem agarrada
ao corrimão, enquanto que com a direita puxava o saco cada vez mais pesado. Ao chegar
ao patamar, precisava de parar e recuperar a respiração, antes de enfiar a
chave na fechadura e empurrar a porta.
No elevador é que não ia.
O prédio era velho e o elevador ainda o parecia mais.
Fora morar para ali há
anos e sempre desconfiara dele. Evitá-lo, nessa altura não lhe custava. Ajudara
até na mudança, levando louça e cadeiras, até o pequeno sofá da sala, fora ela
que o levara, com os braços abertos a contorná-lo num abraço incompleto, não
via os seus pés, mas não falhou um degrau.
À medida que o tempo
passava, parecia que os degraus cresciam em número e altura. Procurava ela
diminuir as saídas.
Aquele dia fora igual,
mas algo de diferente sucedeu.
Chegou ao patamar, mas
antes de abrir a porta, ouviu uma voz sumida.
Vinha do elevador:
“Ai quem me acode, que
morro aqui”.
Era a vizinha do quarto,
uma miúda de sessenta anos, bem mais nova que ela, mas que sempre ia de
elevador.
O elevador tinha parado
entre o 3º e o 4º.
Enquanto com a sua voz
mais calma e séria, dos anos antes da reforma, em que leccionara, disse à
vizinha para se acalmar e ligou para o 112.
Só a tiraram de lá duas horas
passadas e teve de saltar para o 3º.
Dias depois houve obras
no prédio. Substituíram o velho por um novo elevador, silencioso e confiável
até para ela. Passou a usá-lo, não esquecendo, no entanto, o telemóvel para o
caso de voltar a ser preciso ligar para o 112.
A Catarina, ainda pequenina, e a empregada na época - presas no décimo sétimo andar do Peach Court do Ocean Gardens.
ResponderEliminarBeijinho
Quantas mulheres se arrastam escada acima, escada abaixo sem esperança num elevador?
ResponderEliminarAbraço