Lentamente a escuridão atenuava-se e precedido ou
anunciado pelas aves, nascia o dia.
Via-o e pensava-o, mas não escrevia.
Era altura de regressar a casa e sacudir o frio da
madrugada.
Foi o que fez e pouco depois arranjou para si um café.
Bebê-lo, fazia-o crer por instantes que a situação se ia resolver. O efeito não
era infelizmente duradouro.
Mudara de país e mudara de nome. Deixara crescer a
barba. Os anos e as noites de insónia tinham coberto o seu rosto de rugas.
Mesmo assim receava que alguém o reconhecesse, como se fosse um criminoso
condenado e perseguido.
Entretanto conseguira a equiparação da sua
licenciatura e começara a trabalhar como enfermeiro. Falava pouco, preferia
pacientes quase iletrados, mesmo os mais difíceis que contra tudo e todos se
zangavam. Elogiavam-no pela paciência quando ele não queria ser notado.
Trouxera consigo apenas duas edições, os dois
primeiros e únicos, com uma diferença de meses. O primeiro fora logo saudado
pela crítica e bem recebido pelo público. Enquanto terminava o segundo sentira
que o mundo lhe pertencia. Este dividira
as opiniões, mas todas positivas, entre os que afirmavam que mantivera as
expectativas e aqueles que clamavam que as excedera, e oferecera ao mundo uma
pequena obra-prima que iria perdurar para sempre.
Talvez devesse ter começado logo o terceiro.
Ao invés ofereceu-se umas pequenas férias.
No regresso pensara ter mil e uma ideias.
Começou a ser incomodado pela preocupação de manter o
seu estilo, aquilo em que seria original, para concluir que já nem sabia o que
era.
Foram meses terríveis esses até que concluiu que se
esgotara em dois livros e já não conseguia escrever.
Fugiu.
Com o café da manhã ocorreu-lhe que agora combatia a
morte e salvava vidas. Talvez não se tivesse perdido um escritor, mas nascido
um salvador.
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