sexta-feira, agosto 11, 2023

CNEC 65/37 - 8/10

 

 

Tinha onze anos quando um acidente mudou a sua vida.

O mundo passou a ser como uma tela a preto e branco, as vozes das pessoas reduzidas a murmúrios indistintos, os risos, coreografias silenciosas de movimentos labiais.

Passou a comunicar por gestos, olhares e expressões.

A surdez invadiu-o, transformando cada som numa mera recordação distante.

Fechou-se mais em casa após episódios com estranhos que assim que se apercebiam que não os conseguia ouvir, gritavam ou agiam como se também as suas capacidades mentais tivessem sido afectadas. Sentia tanta raiva deles nessa altura que reforçava o que pensavam, fazendo o contrário do que pretendiam.

Mas foi então que a esperança ressurgiu. Com os avanços da tecnologia foi apresentado ao milagre dos implantes cocleares.

Após anos de silêncio profundo, foi operado.

No momento em que o dispositivo foi activado o mundo explodiu em uma cacofonia de sons, como estrelas que explodiam num céu antes estático.

O ruído da água corrente na torneira, o tilintar dos talheres, o som de simples passos no chão tudo o atingia e no início desorientava-o.

Até que o caos se começou a transformar em harmonia, quando voltou a acostumar-se aos sons, reaprendendo a associá-los a objectos e acções em seu redor.

Cada som se tornou a nota de uma sinfonia que reaprendia a apreciar, o chilrear dos pássaros, que podia nem estar a ver, os risos das crianças na rua, como borboletas dançando no ar, o som das ondas quebrando na praia, como um abraço suave da natureza. A voz da sua mãe, que antes era apenas movimento dos lábios, tinha agora profundidade e calor.

Voltar a ouvir depois de anos de silêncio foi como encontrar num mundo conhecido um tesouro escondido.

E com vinte anos, o saber ler lábios ajudou-o na opção profissional, escolheu ser espião…

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