Fecharam o caixão com
seis parafusos, um deles entrou atravessado, deixando passar luz, som e ar.
Fora o suicídio a saída
para o empresário denunciado e a razão para ninguém ver o corpo.
Pouco ou nada se ouvia e
havia apenas uma luz de presença distante.
A sala permaneceu em
silêncio até depois do amanhecer quando os funcionários regressaram.
Pelas dez horas
fizeram-se ouvir saltos finos nos degraus de pedra e até à capela.
Chegou a viúva com uma
funcionária. Falavam baixinho, sobre o arranjo de flores e a hora do enterro.
Pouco depois apareceu o melhor, aliás, o único amigo do falecido.
Cumprimentaram-se com dois beijos quase inaudíveis.
Cá estamos, disse ele.
Cá estamos, respondeu
ela.
Nenhum dos dois comentou
porque razão estava o caixão fechado.
Não ia haver missa, era
para seguirem para o cemitério.
Tomara um calmante para o
ajudar a passar por tudo e conseguiu até dormitar na capela vazia. Despertou-o
o barulho dos passos da mulher, quem senão ela? Nunca abdicaria dos saltos finos
e teria caprichado na roupa e no perfume. O seu chanel 5 misturou-se com o odor
das flores.
Sentiu quando os quatro
funcionários pegaram no seu caixão, sentiu o balanço do caminho até ao carrinho
que o levou até à cova e depois quando o desceram. Ouviu as pazadas de terra
lançadas sobre as tábuas do caixão e depois o silêncio.
Com a mão esquerda
procurou a garrafa de oxigénio, puxou-a para si, estranhou-lhe o peso. Com a
direita tirou o telemóvel do casaco e com a fraca luz deste descobriu que
estava vazia. Incompetentes, a mulher e o amigo. Deixá-la-ia para trás e talvez
deixasse o Fred a arder, assim que ele lhe devolvesse os milhões escondidos.
Ia ligar para que o
viessem tirar dali quando o telemóvel se apagou.
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