sexta-feira, agosto 04, 2023

CNEC 65/37 - 7/10

 

 

Fecharam o caixão com seis parafusos, um deles entrou atravessado, deixando passar luz, som e ar.

Fora o suicídio a saída para o empresário denunciado e a razão para ninguém ver o corpo.

Pouco ou nada se ouvia e havia apenas uma luz de presença distante.

A sala permaneceu em silêncio até depois do amanhecer quando os funcionários regressaram.

Pelas dez horas fizeram-se ouvir saltos finos nos degraus de pedra e até à capela.

Chegou a viúva com uma funcionária. Falavam baixinho, sobre o arranjo de flores e a hora do enterro. Pouco depois apareceu o melhor, aliás, o único amigo do falecido. Cumprimentaram-se com dois beijos quase inaudíveis.

Cá estamos, disse ele.

Cá estamos, respondeu ela.

Nenhum dos dois comentou porque razão estava o caixão fechado.

Não ia haver missa, era para seguirem para o cemitério.

 

Tomara um calmante para o ajudar a passar por tudo e conseguiu até dormitar na capela vazia. Despertou-o o barulho dos passos da mulher, quem senão ela? Nunca abdicaria dos saltos finos e teria caprichado na roupa e no perfume. O seu chanel 5 misturou-se com o odor das flores.

Sentiu quando os quatro funcionários pegaram no seu caixão, sentiu o balanço do caminho até ao carrinho que o levou até à cova e depois quando o desceram. Ouviu as pazadas de terra lançadas sobre as tábuas do caixão e depois o silêncio.

Com a mão esquerda procurou a garrafa de oxigénio, puxou-a para si, estranhou-lhe o peso. Com a direita tirou o telemóvel do casaco e com a fraca luz deste descobriu que estava vazia. Incompetentes, a mulher e o amigo. Deixá-la-ia para trás e talvez deixasse o Fred a arder, assim que ele lhe devolvesse os milhões escondidos.

Ia ligar para que o viessem tirar dali quando o telemóvel se apagou.

 

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