quinta-feira, julho 20, 2023

CNEC 65/37 - 5/10

 

Os olhos bondosos não amenizavam as suas palavras.

Ele dissera-lhe para se sentar e foi buscar a sua ficha. Reparou como os óculos redondos lhe escorregavam pelo nariz enquanto lia. Tinha o aspecto de um avô bondoso e barrigudo, cuja barriga imponente impedia-o de abotoar a bata branca.

Imaginou-o a tentar fazê-lo e os botões a saltarem em alta velocidade projectados para todos os lados do pequeno consultório.

- E o que faço agora doutor?

- Cíntia pode tratar-me pelo meu nome, Rafael.

- O que faço agora Doutor Rafael?

Ele teve um sorriso triste quando lhe ouviu o Doutor.

- Não há nada a fazer.

Nada a preparara para que estava a ouvir. Estava a melhorar. Sabia que sim. Sabia-o até chegar ali naquela tarde. Aparecera-lhe um médico diferente, mais simpático que aquele que habitualmente a atendia. O seu médico, o Dr. Alves andava sempre atrasado e com pressa, fora um pouco bruto a confrontá-la com o diagnóstico e a traçar-lhe um plano que ela seguira escrupulosamente.

Queria de volta o momento anterior e o Dr. Alves, com os seus modos rudes e apressados.

Enquanto tudo lhe passava pela cabeça, o Dr. Rafael levantara-se da secretária e viera colocar uma mão quente e sapuda sobre o seu ombro direito:

- Então força!

Só queria sair dali para fora e respirar ar puro lá fora. Levantou-se e ia abrir a porta quando esta se abriu e lhe apareceu o Dr. Alves. Atrás dele dois enfermeiros que se dirigiram ao Dr. Rafael e o imobilizaram.

- Rafael o que andaste a armar desta vez? Disse o Dr. Alves, ordenando depois aos dois Enfermeiros, “levem-no.”

De repente já não lhe parecia um médico ou um avô bondoso, mas um miúdo apanhado em falta.

Ela sentou-se de novo, permitindo-se o regresso da esperança.

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