sexta-feira, julho 07, 2023

CNEC 65/37 - 3/10

 

 

 

Em Lisboa prendem os jardins e há árvores a crescer cercadas em passeios.

O pai disse-lhe que o esperasse “a tua avó em criança brincou aqui no jardim da Estrela.”

Não consegue imaginar a avó criança. Ontem ainda deu-lhe um beijo com a merenda.

Com o vento a abanar folhas e ramos parece que as árvores falam, mas não percebe o que dizem.

Está frio e não vê mais ninguém. E se o pai não volta?

 

Dormiu na casa da vizinha. Parecida com a da avó, o mesmo chão com tábuas compridas a rangerem sob os seus pés, mobílias pesadas e retratos em naperons, mas das fotografias preto-e-branco são outras caras desconhecidas que o espreitam.

Da manhã chegou lá o pai, mas quase não o reconheceu.

O pai disse-lhe para meter na mala tudo o que quisesse trazer que ali já não voltavam.

 

Estava no recreio da escola quando vieram chamá-lo.

A professora, com uma voz diferente, baixa e hesitante: “a tua avó, a tua avó...” Completou a funcionária atrás dela “ficou-se”. Continuou a professora, “está com a tua mãe agora”.

Mas a mãe morreu quando nasci.

Não tenho mais ninguém. Então nem se lembrou do pai, a voz ao telefone pelo Natal e nos seus anos: porta-te bem, obedece à avó.

 

Vieram para Lisboa para o enterro.

Ele ao lado do pai, durante a missa e depois. A avó ia para a mesma campa da mãe. Pensou que iria ver o corpo desta, mas de lá tiraram ossos que colocaram no caixão, para ficarem as duas juntas. Será que a avó se importa? Morta já não parecia ela.

Tem frio e medo de chorar até que vê que o pai regressa. Algo no seu andar lembra-lhe o da avó.

- E agora pai?

- Agora vens comigo para França.

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