quinta-feira, junho 08, 2023

E se - CNEC 64/36 - 10/10

 

E se chove?

Mirou desconfiada o céu cinzento. Hesitou em arriscar-se a sair por momentos. Precisava mesmo de sair. Tinha a despensa vazia e no frigorifico que passara a armário apenas meio limão esverdeado. Já nem era tanto imaginar que as paredes do estômago se colavam, mas sentir-se tonta de fraca que se via.

Talvez a mercearia da esquina estivesse aberta. Não teria de andar muito.

Decidiu sair, bem encasacada, a mão esquerda a agarrar forte a pega do guarda-chuva enorme. Este serviu-lhe quase de bengala, a sublinhar os passos, enquanto a ponta batia no chão, em pedregulhos ou na terra. Contornou os buracos antigos e os novos. Não fazia nem ideia se alguma vez o pavimento seria reparado e a chuva intensa fora criativa, aumentara também os antigos. Felizmente levara galochas, se errasse um passo, chapinharia tudo à volta, mas não ficaria encharcada, como já lhe acontecera.

Ao virar a rua percebeu que a mercearia não abrira, nem ia abrir mais. No lugar onde antes se situava, o rés do chão de um prédio baixo, apenas se viam escombros. Já devia ter sucedido há algum tempo. Espreitou e pareceu-lhe ver cor. Com cuidado avançou, levantou duas ou três tábuas, serviu-se do guarda-chuva para confirmar primeiro que o chão era seguro e não se iria abater sob os seus pés. Estava certa, deparou com algumas batatas e cebolas que espreitavam dum saco. Alguém as colocara ali e depois por alguma razão não as levara. Trouxe o saco para junto do peito e regressou depressa a casa.

Tivera sorte e não chovera.

Se ao menos a maldita guerra terminasse.

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