quinta-feira, junho 22, 2023

CNEC 65/37 - 1/10

 

 

 

Na minha casa há um quarto fechado no qual não entro.

Passo pelo corredor como se ali não estivesse uma porta.

Não me permito lembrar da cor alegre das paredes, dos móveis de cor clara, da brisa fresca que empurrava o cortinado quando por lá ficava a imaginar como seria.

Tudo ali era leve e novo, na espera ansiosa pelo que finalmente acontecia.

Naquele ontem, cada vez mais distante, eu fui outra.

E é tão estranho porque se me olho ao espelho vejo-me igual.

A minha voz parece a mesma, converso sobre as mesmas coisas, leio os mesmos livros, vejo os mesmos filmes, ou tão idênticos, que mais parecem series repetidas. Trabalho, como, durmo, rio, como trabalhava, comia, dormia e ria.

Aparentemente igual, como se pudesse nadar à superfície a sombra que se afunda.

Ninguém nota nada.

Nem eu, desbotada e vazia, o vejo.

Foi no antes, pela saúde e pela idade, a ultima oportunidade, milagre verdadeiro e meu.

Não o previ, não suspeitei, não sabia como era, o que devia ou não sentir fisicamente enquanto a barriga crescia.

O choque e a decepção foram tao avassaladores que nem pensei em pedir uma segunda opinião, ter a certeza que que não sobreviveria.

Em segundos parados segui o conselho do médico, mas a decisão foi minha, dolorosamente minha.

Numa pequena intervenção separaram-nos e não o quis ver.

Um dia destes mudo-me, deixo que um incêndio devore a porta, o quarto, tudo o que o rodeia, a casa toda inteira.

Que algo marque a diferença, para que a explosão destrua a sombra e talvez assim possa ressurgir a vida.

 

1 comentário:

  1. muito difícil passar por essa dor sem enlouquecer de vez.... (Sou a Sônia, mas por alguma razão não consigo postar usando meu URL)

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