sexta-feira, março 17, 2023

CNEC 63/35 - 9/10 Medo

 

MEDO

 

Não é real, não é real, não é real.

O perigo sê-lo-ia, mas nem sequer estou neste momento em perigo.

O medo poderia servir para que fugisse e evitasse o perigo. Em tempos, criança ainda, fugi de perigos não reais como cães que ladravam e não mordiam e uma consulta no dentista – ia fazer-me doer, sei que ía. Desconfio que perante um perigo real agora ficaria paralizada, o coração a explodir no peito – qual tambor, vão ouvi-lo, a respiração alterada, a transpiração gelada a colar-me a roupa ao corpo, a procurar ver no escuro, ouvir e traduzir cada ruido.

Senti-o uma vez, saía de um pesadelo, já não estava bem a dormir, despertava, mas não me conseguia mexer ou gritar, a paralisia do sono. Na transição entre o sono e a vigília, a temporária desconexão das funções motoras, perceptivas, emocionais ou cognitivas. Assustador até lembrar.

Enquanto não me surge a minha morte como iminente, esgotado o prazo de validade, tenho tanto medo das perdas.

O maior medo é então sobrar apenas eu. Quem saberá quem sou, quem me ajudará a levantar se cair? Deverei manter-me viva e só, com maleitas e doenças no corpo cada vez mais frágil, esquecimentos e incapacidades de compreensão. Terei medo de sair à rua, mesmo para comprar alimentos. Numa queda pode vir dor e mais incapacidade. Pedidos de auxílio irão embater na indiferença e pressa, irão gritar-me, como se não ouvisse bem, quando só não perceberei o que me dizem. Para os estranhos não sou ninguém.

Manter-me-ei viva porque só eu lembro os que me eram queridos e partiram.

Então será mais forte o medo que a morte seja o fim porque não haverá reencontros, mas sendo o fim, o nada, pelo menos ao morrer, acaba o medo.

 

2 comentários:

  1. htpps://soniafs.blogspot.com

    É o sentimento mais forte que o ser humano experimenta na vida.

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  2. Com tantas notícias e imagens terríveis da guerra também me parece que pode ser a raiva
    um beijinho e bom fim-de-semana

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