Depois das acusações,
discussão e gritos ela foi para o quarto, mas não bateu com a porta, nem sequer
a fechou, deixou-a entreaberta.
Vai ter com ela, pede-lhe
perdão, diz-lhe que a amas. Queria levá-lo a fazer isso, dizer-lhe, gritar-lhe,
segredar-lhe, convencê-lo, mas não disse nada. Saberia ele que estava ali?
Saberia algum dos dois?
Ele continuava sentado no
sofá onde se deixava afundar. Pareceu-lhe que dizia alguma coisa. Escutou com
mais atenção. A respiração pesada, adormecera. Começou até a ressonar levemente.
Como é possível?
Pé-ante-pé dirigiu-se até
à porta, passou pelo espaço estreito sem ter de a empurrar. Estava mais escuro
no quarto. Esperou até os seus olhos se habituarem à luz mais fraca. Viu-a
deitada, mas de olhos abertos. Ela não dormia. Talvez estivesse a remoer a
discussão. Será que esperava por ele? Teria sido por isso que deixara a porta
entre-aberta?
Ela começou a chorar.
Limpou as primeiras lágrimas com uma das mãos. Balbuciou algo como “ele não se
importa”, “não me ama, nunca me amou”.
Levantou-se e parecia de novo zangada. Começou a fazer a mala, bateu com
a porta do armário, despejou gavetas na cama.
Pontapeou a porta e
regressou a sala, onde ele ainda dormia. Gritou-lhe: “Vou-me embora!”.
Naquele momento em que
ele despertou ainda havia esperança. Ele podia ter tido algo que recuperasse o
que se perdia. Em vez disso, apenas lhe disse “Vai”.
E ela foi.
De vez e para sempre.
Não passarei de uma
ideia, cada vez mais ténue. Mãe, pai, desapareço.
Gostei. :)
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