quinta-feira, março 09, 2023

CNEC 62/35 - 8/10 Uma porta entre-aberta

 

 

Depois das acusações, discussão e gritos ela foi para o quarto, mas não bateu com a porta, nem sequer a fechou, deixou-a entreaberta.

Vai ter com ela, pede-lhe perdão, diz-lhe que a amas. Queria levá-lo a fazer isso, dizer-lhe, gritar-lhe, segredar-lhe, convencê-lo, mas não disse nada. Saberia ele que estava ali? Saberia algum dos dois?

Ele continuava sentado no sofá onde se deixava afundar. Pareceu-lhe que dizia alguma coisa. Escutou com mais atenção. A respiração pesada, adormecera. Começou até a ressonar levemente. Como é possível?

Pé-ante-pé dirigiu-se até à porta, passou pelo espaço estreito sem ter de a empurrar. Estava mais escuro no quarto. Esperou até os seus olhos se habituarem à luz mais fraca. Viu-a deitada, mas de olhos abertos. Ela não dormia. Talvez estivesse a remoer a discussão. Será que esperava por ele? Teria sido por isso que deixara a porta entre-aberta?

Ela começou a chorar. Limpou as primeiras lágrimas com uma das mãos. Balbuciou algo como “ele não se importa”, “não me ama, nunca me amou”.  Levantou-se e parecia de novo zangada. Começou a fazer a mala, bateu com a porta do armário, despejou gavetas na cama.

Pontapeou a porta e regressou a sala, onde ele ainda dormia. Gritou-lhe: “Vou-me embora!”.

Naquele momento em que ele despertou ainda havia esperança. Ele podia ter tido algo que recuperasse o que se perdia. Em vez disso, apenas lhe disse “Vai”.

E ela foi.

De vez e para sempre.

Não passarei de uma ideia, cada vez mais ténue. Mãe, pai, desapareço.

 

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