quinta-feira, fevereiro 23, 2023

CNEC 63/35 - 6/10 - Arrependimento

 

Pedro Paulo, Paulo Pedro.

Não conseguia lembrar-se da ordem certa.

Raiva e medo.

Enfureciam-na as confusões e esquecimentos. Assustavam-na também.

Se tivesse ficado com ele, talvez tivessem tido filhos, pelo menos um rapaz, ou uma menina, que agora tomaria carinhosamente conta dela. A não ser que saíssem tortos. Via-se cada coisa hoje em dia. Filhos a bater nos pais, pela droga ou vinho, ou por não serem bons da cabeça.

Melhor não os ter tido. Mal por mal, mais valia assim. Tinha as suas coisas, a sua casinha, uma reforma pequena que para ela dava, mesmo com a subida de preços, ia dando.

Tinha também as suas memórias.

Houve uma altura em que foi jovem e até bonita. Muitos homens reparavam nela. Pronto, talvez fossem só alguns, ou um ou dois.

Um deles foi o Pedro Paulo ou Paulo Pedro.

Meteu conversa com ela. Falar sabia ele. Num piscar de olhos eram namorados. Tudo lhe apareceu então como fácil e possível, o mundo mais brilhante e intenso.

Os seus pais é que não gostaram dele. “Vivia sozinho, não tinha ninguém, nem tinha um ofício certo. De que iriam viver?” Foram-na encostando à parede. Ele também não ajudou. Queria que viesse com ele, virasse costas à sua família. Se gostava dele a sério, tinha de optar. Os seus dias tornaram-se difíceis, com caras fechadas dos dois lados. De noite sonhava que se davam todos bem. Até que deixou de sonhar.

Numa última conversa com ele – e não sabia que seria a última – tentou convencê-lo a que namorassem às escondidas, só até aos pais o aceitarem. Ele zangou-se, disse-lhe que se iria embora, que ela nunca mais o ia ver.

Acabaram zangados.

Nunca mais gostou de alguém assim.

Talvez esquecê-lo não fosse assim tão mau. Esqueceria também toda a amargura do arrependimento.

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