terça-feira, dezembro 20, 2022

Conto para amigo secreto

        Macrófago

 

Não resultava mandá-los para a cama mais cedo se não comessem a sopa, porque não pareciam importar-se, a sopa é que não comiam.

Depois ouvia-os em brincadeiras e risos no quarto.

Quando já passava da hora de irem dormir, tinha de os convencer a apagar a luz e a adormecerem.

Foi ter com eles com o livro de contos de fadas. Já conheciam as histórias todas,

- Queremos uma nova, papá, exigiu a Alice.

- Vamos lá então a uma história nova. Têm de ficar bem deitados e bem tapados os dois e vou baixar a luz.

Para criar ambiente, e dar-lhes sono, começou a falar num tom de voz menos audível e mais devagar:

- Foi por pouco que estamos aqui os três. A vossa mãe poderia estar, mas nós não.

- Porquê papa? Perguntou a Alice. O Edu olhava para ele, de olhos bem abertos, querendo também saber.

- Bem, isto passou-se há muitos anos, tantos anos, que eu tinha a idade do Edu.

- Tinha agora toda a atenção deles. Devia custar-lhes a imaginar uma época em que o pai fosse uma criança. Nem o reconheciam nas fotografias que guardara  - crescera em tempos difíceis, com os pais ocupados no trabalho e as poucas fotografias que tinha dele mesmo em criança eram da escola a preto e branco. Ele e os colegas da primária. Parecia quase um jogo tentarem acertar qual dos miúdos de bata, em filas, nas escadas, era o pai. Falhavam quase sempre e só por sorte ou por se lembrarem é que escolhiam a figura baixinha, meio escondida entre todos os outros – não queria ser fotografado e só deu um pulo na altura vários anos depois.

- Fiquei muito doente e não sabiam o que eu tinha. A minha mãe, a vossa avó, fez-me uma canja, mas nem conseguia comer. Chamaram até o médico. A minha avó, vossa bisavó, que vocês não conheceram, começou a dizer que deveriam era chamar o Padre.

- Porquê papá?

- Porque pensavam que eu ia morrer.

- Mas não morreste papá!

- Não, não morri, senão a vossa mãe iria ter de casar com um marido horrível e ia ter filhos muito feios como ele.

Fê-los rir e perguntou-lhes então, sabem o que me salvou?

- Uma fada? falou então pela primeira vez, desde que começara a história, o Edu, na sua vozinha hesitante.

- Não, não foi uma fada.

Se dormirem agora, conto-vos amanhã.

Deixou-os bem tapados no quarto e já estavam adormecidos quando a mãe lhes foi dar um beijo de boa-noite.

 

Entretanto passaram alguns dias e porque teve muito trabalho não teve oportunidade de continuar a história. Quando chegava a casa já estavam a dormir. Ia vê-los, e confirmar que estavam bem. Alice dormia bem direitinha na cama, mas Edu parecia viver em cada noite uma luta com os cobertores. Ao chegar o fim-de-semana pôde finalmente chegar mais cedo a casa e prontificou-se a ir deitá-los. Já esperava que lhe pedissem uma história, talvez novamente uma história diferente, mas foi surpreendido porque lhe pediram que acabasse a que tinha começado.

- Bem, eu estava então muito doente. Nem quis provar a canja

Edu não se conteve a comentar “não gosto canja”. Ele não gostava de canja, nem de sopa ou de qualquer prato, só de batatas fritas e chocolate.

- Mas devias comer a canja, a sopa e a comida, e vais já saber porquê. Voltando à história, quando estava tão mal que nem queria provar a canja, piorei ainda mais, até que…

Fez uma pausa para ouvir a Alice repetir “até que?”

Fui salvo pelo Macrófago!

- Pelo quê, pai? Perguntou a Alice.

- O Macrófago! Uma célula que temos no nosso corpo e que será mais forte se comermos a sopa e toda a comida que temos no prato e nos protege das doenças.

Alice tentou repetir Macrófago, sem muito sucesso. Edu nem tentou. Não pareciam muito convencidos.

No dia seguinte desafiou-os a desenharem um macrófago feliz e colaram os desenhos no frigorífico. Poderia ser coincidência, mas pareceu-lhe que o Edu se preocupava em comer um pouco mais de sopa para deixar o seu Macrófago feliz.

 

6 comentários:

  1. https://soniafs.blogspot.com

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  2. Pena eu não ter conhecido esse macrófago no tempo em que meus filhos eram pequeninos...rsrs

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  3. obrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)

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  4. obrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)

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  5. obrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)

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  6. obrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)

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