Macrófago
Não resultava mandá-los para a cama mais cedo se não comessem a sopa, porque não pareciam importar-se, a sopa é que não comiam.
Depois ouvia-os em brincadeiras e
risos no quarto.
Quando já passava da hora de irem
dormir, tinha de os convencer a apagar a luz e a adormecerem.
Foi ter com eles com o livro de
contos de fadas. Já conheciam as histórias todas,
- Queremos uma nova, papá, exigiu a
Alice.
- Vamos lá então a uma história
nova. Têm de ficar bem deitados e bem tapados os dois e vou baixar a luz.
Para criar ambiente, e dar-lhes
sono, começou a falar num tom de voz menos audível e mais devagar:
- Foi por pouco que estamos aqui os
três. A vossa mãe poderia estar, mas nós não.
- Porquê papa? Perguntou a Alice. O
Edu olhava para ele, de olhos bem abertos, querendo também saber.
- Bem, isto passou-se há muitos
anos, tantos anos, que eu tinha a idade do Edu.
- Tinha agora toda a atenção deles.
Devia custar-lhes a imaginar uma época em que o pai fosse uma criança. Nem o
reconheciam nas fotografias que guardara - crescera em tempos difíceis,
com os pais ocupados no trabalho e as poucas fotografias que tinha dele mesmo
em criança eram da escola a preto e branco. Ele e os colegas da primária.
Parecia quase um jogo tentarem acertar qual dos miúdos de bata, em filas, nas
escadas, era o pai. Falhavam quase sempre e só por sorte ou por se lembrarem é
que escolhiam a figura baixinha, meio escondida entre todos os outros – não
queria ser fotografado e só deu um pulo na altura vários anos depois.
- Fiquei muito doente e não sabiam o
que eu tinha. A minha mãe, a vossa avó, fez-me uma canja, mas nem conseguia
comer. Chamaram até o médico. A minha avó, vossa bisavó, que vocês não
conheceram, começou a dizer que deveriam era chamar o Padre.
- Porquê papá?
- Porque pensavam que eu ia morrer.
- Mas não morreste papá!
- Não, não morri, senão a vossa mãe
iria ter de casar com um marido horrível e ia ter filhos muito feios como ele.
Fê-los rir e perguntou-lhes então,
sabem o que me salvou?
- Uma fada? falou então pela
primeira vez, desde que começara a história, o Edu, na sua vozinha hesitante.
- Não, não foi uma fada.
Se dormirem agora, conto-vos amanhã.
Deixou-os bem tapados no quarto e já
estavam adormecidos quando a mãe lhes foi dar um beijo de boa-noite.
Entretanto passaram
alguns dias e porque teve muito trabalho não teve oportunidade de continuar a
história. Quando chegava a casa já estavam a dormir. Ia vê-los, e confirmar que
estavam bem. Alice dormia bem direitinha na cama, mas Edu parecia viver em cada
noite uma luta com os cobertores. Ao chegar o fim-de-semana pôde finalmente
chegar mais cedo a casa e prontificou-se a ir deitá-los. Já esperava que lhe
pedissem uma história, talvez novamente uma história diferente, mas foi
surpreendido porque lhe pediram que acabasse a que tinha começado.
- Bem, eu estava então
muito doente. Nem quis provar a canja
Edu não se conteve a
comentar “não gosto canja”. Ele não gostava de canja, nem de sopa ou de
qualquer prato, só de batatas fritas e chocolate.
- Mas devias comer a
canja, a sopa e a comida, e vais já saber porquê. Voltando à história, quando
estava tão mal que nem queria provar a canja, piorei ainda mais, até que…
Fez uma pausa para ouvir
a Alice repetir “até que?”
Fui salvo pelo Macrófago!
- Pelo quê, pai?
Perguntou a Alice.
- O Macrófago! Uma célula
que temos no nosso corpo e que será mais forte se comermos a sopa e toda a
comida que temos no prato e nos protege das doenças.
Alice tentou repetir
Macrófago, sem muito sucesso. Edu nem tentou. Não pareciam muito convencidos.
No dia seguinte
desafiou-os a desenharem um macrófago feliz e colaram os desenhos no
frigorífico. Poderia ser coincidência, mas pareceu-lhe que o Edu se preocupava
em comer um pouco mais de sopa para deixar o seu Macrófago feliz.
https://soniafs.blogspot.com
ResponderEliminarPena eu não ter conhecido esse macrófago no tempo em que meus filhos eram pequeninos...rsrs
ResponderEliminarobrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)
ResponderEliminarobrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)
ResponderEliminarobrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)
ResponderEliminarobrigado história informativa lida de uma só vez, tão interessante - viciante obrigado por deixá-la aqui aberta para que todos pudessem ver e ler)
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