quinta-feira, novembro 17, 2022

CNEC 62/43 - 6/10 - Um esquecimento imperdoável

 

 

Olhando para trás e detesta fazê-lo, persegue-a o arrependimento e a ideia de que esteve tão perto de poder finalmente ter tudo, como deveria ter.

Há semanas recebeu uma carta dele ou melhor do advogado dele, na finalização do divórcio, também aflorava – propositadamente sem dúvida – que ele estava nas Caraíbas. Rasgou a carta e tentou em vão esquecê-lo.

Durante meses representara o papel da esposa extremosa e preocupada. Ia visitá-lo ao Hospital e levava-lhe roupa e comida.

A certa altura percebeu que desconfiavam dela, apenas pela coincidência do seu estado se agravar quando das visitas.

Faltava muito pouco então. Estudara com afinco no Google as doses necessárias. Aquela desconfiança seria facilmente afastada quando a vissem desesperada com a morte dele. Preparava já a sua reacção e o que faria depois. Avançar rapidamente para a cremação do corpo, vender-lhe a casa e demais bens – afinal era a única herdeira – e partir para outra cidade onde ninguém a conhecesse e poderia reinventar-se.

Levou-lhe o suco com a última dose. Ajudou-o a erguer o tronco para que bebesse por uma palhinha enquanto o olhava nos olhos. Ele emagrecera imenso, a diferença dos dois era ainda mais marcante. Ela jovem, saudável, viva. Ele quase o cadáver que em breve deveria ser.

Chegou a casa com a sensação do dever cumprido. No dia seguinte iriam sem dúvida comunicar-lhe a sua morte. Nessa noite dormiu bem e descansou. De manhã escolheu com cuidado a roupa e seguiu para o Hospital estranhando levemente não lhe terem ligado ainda.

O quarto dele estava vazio.

Preparava-se para a sua grande cena quando uma enfermeira eufórica lhe veio anunciar: ele tivera uma recuperação milagrosa e assinara a sua própria alta.

Correu para casa, onde ele não estava, para descobrir que esquecera de misturar a última dose do veneno no suco…


7 comentários:

  1. Safa, Gábi...esta história escreveste-a tu?
    Mas que narrativa macabra. Foi para mim uma enorme surpresa saber que oTio Google ensine estas tácticas de envenenamento suave.
    Mulherzinha premeditada e diabólica essa... bem feito se ele a deixar sem um cêntimo depois do divórcio...:)
    Gracinhas àparte dou-te os parabéns pela tua fértil imaginação .
    Beijinho e boa sorte. :)

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    1. Não estive a confirmar se o Google realmente o ensina :)
      Muito obrigada Janita e um beijinho grande

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  2. Fiquei em suspense e é caso para dizer que !o feitiço virou-se contra o feiticeiro. A tua imaginação narrativa é genial.
    Beijos e um bom dia

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    1. Muito obrigada Fatyly em modo Natal :) um beijinho grande e um bom dia também

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  3. Um ato falho. Psicanaliticamente falando, poder-se-ia dizer que ela não o queria morto? Este é um conflito do inconsciente. O melhor é a imaginação, a invenção, a criação, o suspense... E sedução do leitor ou a curiosidade!
    E a pergunta que não quer calar: o que será feito da moça agora?
    Entre outras coisas, a beleza está na ausência do ponto final. Este ficará por conta do leitor... E quanto a narrativa se expande...
    Um abraço, Gábi

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    1. ah! O título poderia ser psicanalítico "Um esquecimento (im)perdoável"

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  4. Há esquecimentos que mudam uma vida. Este mudou duas. Adorei a trama. Muito bom.
    Abraço, saúde e bom domingo

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