quarta-feira, novembro 09, 2022

CNEC 62/34 - 5/10 - A viagem

 

 

Será possível sentirmos cada segundo que demoradamente não passa?

O agora que se arrasta para sempre e sempre.

Gosta de ir ver os avós, não da viagem, que nunca mais acaba, dura, dura, dura…

Não dá para brincar, não tem sono para dormir, o jogo de contar carros brancos é chato.

Se voltar a perguntar à mãe se ainda falta muito, leva: “já não te posso ouvir mais, cala-se senão levas”.

Levaria um açoite ou uma bofetada. Será que a mãe conseguiria chegar até ele?

Preso na cadeira não dá lá muito para fugir, podia encolher as pernas, voltá-las mais para o lado. Imagina a mãe virada para trás, de cara fechada – não gosta quando ela fica assim – a tentar acertar-lhe. Não lhe ia doer no corpo, mas na alma, sim.

Ainda mais à frente do pai.

O pai trabalha muito, mas às vezes fala com ele como se fossem os dois crescidos, são os dois homens para ir ao futebol, e quando lhe dá mão ou quando o coloca sobre os ombros, sente-se seguro, no topo do mundo.

Também o pai está com um ar severo. Devem estar os dois tão chateados quando ele com aquela viagem que nunca mais acaba.

Quando era pequeno lembra-se de terem cantado no carro, mas algo lhe diz que se começasse ele a cantar sozinho agora não seria boa ideia.

Talvez a mãe querer bater-lhe os pudesse animar a todos. Ou talvez não.

Vê os olhos da mãe no espelho retrovisor a olhar para ele. Não consegue perceber se ainda está zangada.

Olha de novo pela janela, árvores correm de um dos lados, do outro raramente passam carros. E começa a escurecer. Ouve o barulho do pisca e sente o carro a abrandar. Não diz nada, espera apenas que seja porque finalmente chegaram.


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