Começou a ir e regressar
do trabalho a pé, fizesse calor ou frio, e mesmo que chovesse. Quase dois
quilómetros, de manhã e ao final do dia.
O médico dissera-lhe que
devia fazer exercício A mulher comentara que estava a ficar com uma barriga
jeitosa, maior que a dela.
A olhar-se no espelho com
mais atenção, deu-lhes razão.
Foi por isso que adoptou aquele
novo hábito.
Tinha de acordar mais
cedo e cansava-se um bocado no início. Depois passou a apreciar o passeio.
Houve um dia, uma
segunda-feira, em que no regresso calhou reparar numa senhora de idade. Nada
teria de especial. Tinha uma aparência frágil, como muitas. Vestia-se
modestamente, também como muitas. O que lhe chamou a atenção foi os sacos que
levava – as compras para a semana, como soube mais tarde. Era a custo que as
segurava, andando devagar e concentrada.
Na segunda-feira seguinte
arriscou, embora temesse que o levasse a mal. Ofereceu‑se para a acompanhar,
levando um dos sacos. Ela olhou-o muito séria e consentiu, ou porque estivesse
muito cansada, ou porque confiou nele. Coincidia o trajecto dela em parte com o
dele, da Mercearia da esquina até um prédio velho.
Na semana seguinte, e nas
que depois vieram, ela deixou que levasse os dois sacos.
Começaram a conversar.
Ela morava com o marido, que ainda estava pior do que ela. Tinham as suas
reformas, não era muito, mas para os dois ia dando, e ela em casa arranjava-se
bem. O pior era trazer as compras.
Na terceira semana, deu
com ela à porta da Mercearia.
Ela esperava-o com um
brilhozinho nos olhos. Disse-lhe como se chamava – Maria Gracinda - e perguntou‑lhe o nome.
Na despedida, além de uma
boa tarde, percebeu que ela se emocionava, ao dizer‑lhe: “hoje fiz um amigo” e
falava dele.
Pois, pois, ora está, o que conta é modo de narrar, o jeitinho de juntar as palavras de modo a criar uma atmosfera, um clima, que deixe o leitor com “um brilho nos olhos” para saber até onde nos levará a narrativa. E nada acrescenta, além da atmosfera, do clima, sem um ponto final, pois este é por conta do leitor, mas a semente da curiosidade já deixou nas entrelinhas. E não há a mínima possiblidade de não reler a história para saber se já "rolou" alguma coisa... Fez-me lembrar de Fialho de Almeida, e o conto A Velha. Lembrei só por lembrar. Uma bela narrativa!
ResponderEliminarUm abraço, Gábi!
Agora vou ter de procurar esse conto :) Obrigada pelo comentário e um abraço também
ResponderEliminarÉ que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa não há, cantava o Sérgio Godinho.
ResponderEliminarBeijinho, bfds
Lindo conto!
ResponderEliminarAbraço