CNEC 61/33 - 1/10 - Tim

 

Ana queria um cão. Dizia que o queria desde que começara a falar. Talvez já o quisesse antes, quando nos passeios os via ou ouvia ladrar, ou se fixava nos desenhos animados em que cães de várias cores até falavam.

No seu sexto aniversário disseram-lhe que ia finalmente ganhar um.

Ela conseguiu não chorar quando o viu, um cão de peluche. Sabia que era uma prenda, mas não conseguiu esconder a decepção. Os pais riram-se, mas perceberam que aquele cão não a convencera.

Tentou a mãe fazê-lo nos muitos dias que se seguiram. Um cão não era um brinquedo, era preciso tomar conta dele, limpar o que ele sujava, ensiná-lo, dar-lhe comida. Como é que ela podia ter um cão quando nem arrumava o quarto?

Ana passou a arrumar o quarto.

Em vão.

Tinha já sete anos quando o viu pela janela do quarto que continuava com esperança a arrumar.

Fora sem dúvida abandonado, sem trela, magro e molhado pela chuva. Um miúdo atirou-lhe um pontapé e o cãozinho nem ladrou, só ganiu.

Era preciso fazer alguma coisa e ela fê-lo.

Sem que se apercebessem, abriu a porta do apartamento e a do prédio para a rua. Chamou-o e ele veio com ela. Lambeu-lhe a mão. Às escondidas trouxe-o para o quarto, explicou-lhe que tinha de se manter escondido no guarda-fatos sempre que a mãe ou o pai ali viessem.

Só conseguiu manter o segredo por duas horas.

A mãe que afinal era parecida com ela, ao olhar para o Tim emocionou-se.

Poderia ficar com ele, mas teria de ser ela a tratar dele e só se ninguém o viesse reclamar.

Ninguém veio. Mas o Tim que ouvira com atenção as palavras da Ana muitas vezes ia esconder-se no guarda-fatos, já sem medo, só por brincadeira, porque agora era deles.