Os dois homens, cinzentos e indistintos, aguardavam em
silêncio.
Num gesto imperceptível aos demais disse-lhes para
começarem.
Lá fora uma chuva fininha disfarçava as lágrimas da
sua sogra, amparada no marido, e esperavam-nos quatro homens, fortes como se impunha.
Não por ela que pouco pesaria. Sempre fora magra e a doença reduzira-a a pele e
osso.
Nunca conseguiu cumprir a promessa de lhe ser fiel,
sobretudo quando ela engravidou e teve a menina. A Mila, já com vinte anos, como
o tempo passa. Boa aluna, boa filha, o seu orgulho.
Infelizmente crescera a ouvi-los discutir, ele a
querer ver-se livre de uma mulher que não o atraía, ela sempre ciumenta, mesmo
após o seu divórcio, há treze anos.
A miúda nunca se deu bem com as suas namoradas. Para
quê, se duravam tão pouco? disse-lhe ela um dia, e era verdade.
A mãe deprimia-se em casa, sozinha e amarga. A filha,
não, felizmente saíra a ele, forte, determinada.
Deixara-se divagar para se abstrair do momento.
Desciam o caixão, esperaram uns segundos. Ninguém disse
nada. Começaram a lançar a terra.
Regressaram em silêncio e despediram-se. Guardou a carta
que a filha lhe entregou “é da mãe, para
ti”. Iria lê-la depois. Adivinhava as queixas e recriminações que devia
conter. Combinaram um almoço no fim-de-semana. Ela continuaria a morar na casa
dos avós.
Ia tudo manter-se como sempre. Não sentia culpa, mas alívio
por ter terminado. Talvez nunca a tivesse amado, mas dera-lhe a menina, filha
única, perfeita, um sentido para a sua vida.
Ao entrar em casa, tirou o sobretudo e pegou na carta.
Lê-la seria o ponto final que lhe devia para a esquecer de vez.
Dez palavras apenas:
A
Mila não é tua filha, é do teu irmão.
Mudaram o seu mundo.
Viu-se como era, velho e só.
Sempre é tempo de a verdade vir à tona!
ResponderEliminar