Não era a primeira vez que escutava aqueles barulhos
estranhos.
Vinham do apartamento ao lado. Pareciam-lhe socos
abafados. Será que o vizinho batia na mulher? Ele era um indivíduo entroncado,
de certeza que devia passar horas no ginásio.
Já ela era bem magrinha. Se calhar tinha tanto medo
dele que nem gritava.
Mas a ser assim, seria estranho que ele lhe batesse
sem dizer nada. Afinal na cabeça avariada dele haveria alguma razão para bater
na mulher. Talvez ciúmes. Será que ela o enganava?
Enquanto pensava no que fazer parou o barulho. Ouviu
então que a porta se abria e os passos pesados do vizinho se afastavam na
escada. Já não faria sentido chamar a polícia ou faria? Será que a coitada
precisava de ajuda? Podia estar estendida no chão, inconsciente, a morrer…
Espreitou pela janela e viu que o vizinho se afastava.
Se calhar fugia.
Pé ante pé, abriu a sua porta e bateu na do lado.
Ninguém veio abrir. Desceu as escadas e foi até à cabina telefónica em frente.
Não ia querer que soubessem quem era para ligar de casa. Felizmente o telefone
de lá funcionava. Ligou para o 112, contou que no Apartamento 2 B ocorrera um
homicídio e correu de volta para o seu 2 A.
Demoraram imenso tempo a vir, quase dez minutos. Chegaram
com as sirenes ligadas, subiram as escadas a correr, ouviu que com força batiam
na porta, tanta força que parecia a sua. Ninguém foi abrir, gritaram que iam
arrombar a porta e logo depois com grande estrondo uma porta cedia, mas era a sua!
Com todo o barulho apareceu a vizinha de fato de
treino agarrada à sua “punching ball”.
Perguntaram-lhe mais tarde se queria ouvir a gravação
da chamada para reclamar da falsa denúncia e respondeu logo que não.
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