CNEC 60/32 - 3/10 - O Engano

 

Desde criança que queria ser actriz.

Ensaiava poses no espelho, enfiava nos pés pequenos os sapatos de salto alto da mãe, dançava dentro deles, quase caía, mas via-se mais alta e elegante.

Agarrava todas as oportunidades nas festinhas em casa e na escola para declamar poemas. Desconfiava, sabia bem lá no fundo, que a achavam um pouco chata -  lá vem a Anali de novo com “Ela caminha em beleza como a noite” – o seu preferido.

Os próprios pais e irmãos lhe disseram mais do que uma vez: Anali desiste, nem bonita és. Os próprios pais! Como é possível?

Outro qualquer teria desistido, mas ela não! Nunca!

Sabia que tinha a persistência que faria dela uma grande actriz.

Não continuou os estudos, não arranjou um plano B. Por vezes aceitava trabalhos temporários a servir nos cafés. Parecia-lhe algo artístico. Afinal muitos actores e actrizes americanos tiveram empregos em part-time nos cafés, certo?

Pintou o cabelo de louro, bronzeava-se na varanda, espremia-se em roupas bem justas e não perdia nenhuma audição. Embora, muitas vezes nem a deixassem inscrever-se. Já quase via como uma vitória quando podia pelo menos mostrar o seu talento.

E foi numa destas audições que conseguiu a sua grande oportunidade.

Sozinha num palco enorme, as luzes sobre ela cegavam-na para os que estavam a avaliá-la. Riu, chorou baba e ranho, tropeçou. Imaginou-os mudos e esmagados pelo seu talento.

No final esgotada por tudo o que dera, caiu em si, e tentou preparar-se para a habitual rejeição.

Já o encenador, cansado de tantas audições, queria escolher a primeira rapariga que vira, uma loura bem bonita que se chamava Ana Lee, mas disse ao assistente contrata a Anali.

Esse engano mudou a sua vida.

Como sempre soubera, era uma artista.

Todavia, não trágica ou dramática, mas imparavelmente incomparável na comédia.