Uma desgraça nunca vem só.
Primeiro
veio o Covid a isolar as pessoas e a impedir-nos gestos de gentileza como o simples
apanhar do chão algo que um estranho deixou cair – aconteceu com ela no
supermercado, levantou a lata de feijão que saltara do cesto da senhora à sua
frente e viu‑a a olhar para ela com um ar temeroso, sem querer recebê-la de
volta. Lembrou-se então da distância de
segurança, balbuciou um “desculpe”, recuou dois passos e deixou a lata numa
prateleira.
Depois,
um acidente estúpido, nem percebeu bem como o fez. A andar, pousou mal o pé e
quase caía. Sentiu logo uma dor lancinante e o tornozelo inchou-lhe.
Já não
ia passar o fim-de-semana a casa e teria de o passar no quarto alugado e
sozinha – a senhoria que também ali morava fora para a aldeia, “lá tenho
família e não há ninguém doente”.
Era uma
casa velha, pequena e pouca segura.
Meio-deprimida,
adiou mais uma vez as arrumações necessárias e adormeceu na sala a ver
televisão.
Despertou-a
o barulho do vidro da porta a partir-se. Pensou se seria a queda de um vaso da
vizinha, mas olhou para lá e viu um braço grosso que avançava no espaço do
vidro partido e abria o trinco da porta. Era um gatuno e ela nem fugir podia.
A porta
rangeu, arrastando a garrafa de água que deixara cair e para lá rolara (ontem à
noite decidira que depois a apanhava).
O
malandro escorregou na garrafa e caiu para trás. Ao pé-coxinho correu para
fechar a porta à chave e retirou esta da fechadura. Se ele enfiasse de novo o
braço, de nada lhe iria valer. Gritou-lhe, saindo-lhe a voz esganiçada- “vou
ligar para a polícia, vá-se embora.”
Ouviu-o fugir e abraçou-se
à garrafa que a salvara.
Coisas tão simples que pegamos sem dar por isso e que numa altura de sufoco nos pode salvar.
ResponderEliminarGostei muito.
Beijos e um bom dia
Apesar de tanta desgraça, ri-me!
ResponderEliminarAbraço
O título é muito apropriado. Pobre senhora.
ResponderEliminarOlha aí o anjo da guarda dando-lhe proteção. Eu rezo todas as noites a ele. E sou atéia não praticante, veja só!!! kkkkk
ResponderEliminarIndependentemente da publicação, infelizmente sobre as desgraças desta vida, texto que elogio, passo para desejar um FELIZ ANO NOVO de 2022, extensivo à sua família. Festas felizes.
ResponderEliminar.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Fosse a jovem muito ordenada e arrumadinha, e a garrafa salvadora não a teria salvado! Às vezes, não se deve ir logo colocar no lugar as coisas que caem ao chão.
ResponderEliminarNo meio de tanta desgraça ainda teve sorte.
Gostei, Gabi.
Feliz Ano Novo, para ti para o N e toda a família.
Beijinhos e tudo de bom.
Há sempre uma arma que temos para o combate, às vezes não conseguimos é descobri-la. E às vezes chama-se coragem.
ResponderEliminarUm bom ano de 2022 para si.
~CC~