Post 8107 - CNEC 55/27 - 3/10 - O Hábito

 

Ele tem o hábito de sair com miúdas louras, só com louras.

Eu ganhei o hábito de o observar. Sei que é com elas que sai porque os vejo a chegarem a casa, do outro lado da minha rua, mesmo à frente de onde moro. Normalmente quando é muito tarde e já não há ninguém lá fora. O candeeiro público ilumina a entrada para a sua casa, por isso vejo-os bem. Abraçados, às vezes a rirem-se. O cabelo claro delas reflecte a luz artificial. Parecem apaixonados.

Faço por estar desperta na manhã seguinte. Ouço-o a abrir a porta da garagem e corro para a janela. De todas as vezes sai sozinho. Ainda não consegui surpreender a saída de nenhuma delas. Não sei se as manda embora quando ainda é noite. Se saem caladas e decepcionadas porque ele não as deixa ficar. Tão silenciosas que nem um único som se lhes ouve e já nada de ouro reflectem os seus cabelos. Ou se saem de dia, sem que eu dê por isso, o que me parece difícil porque estou bem atenta.

Ou, se nem saem de todo…

Há dias comecei a reparar que ele às vezes ia para o quintal que rodeia a casa – aquilo são só silvas, que ele não cuida das plantas, está tudo ao Deus dará. E levava uma enxada. Ouvi-o cavar, mas não consegui ver nada.

Por isso tenho de manter este hábito. Se não for eu, quem poderá ser testemunha? Porque algo se passa. Tem de se passar, pois se só as vejo entrar.