Post 8093 - 55/27 CNEC - 1/10 A mulher calada

A mulher calada

 

 

Tenho os olhos fechados, pesados, mas não tenho frio, nem estou desconfortável. Normalmente prefiro dormir de lado e não de barriga para cima como estou agora, mas está bem, de vez em quando é bom variar, assim estou mais direitinho, não me vão doer as costas.

Daqui a pouco levanto-me. Vou despertando devagar, apercebendo-me do que se passa à minha volta. Não sei bem onde estou. Devo estar deitado numa cama, mas não é a minha, e não estou no meu quarto. Os sons não batem certo. Há outras pessoas aqui perto e falam baixo. Ainda não prestei atenção ao que dizem. Tento lembrar-me primeiro. Ontem fui encontrar-me com a Ana. Ela namorou com um Rui Miguel, muito ciumento e possessivo. Disse-me que agora que acabaram, ela quer sair mais. Parece-me bem. Só foi um pouco chato ela falar tanto dele. A certa altura, saiu-se com um “ai que ele está aqui”. Devia estar atrás de mim, mas não o cheguei a ver. Engraçado, mas não me lembro bem do que se passou a seguir. Devo ter bebido demais. Talvez eu esteja na casa da Ana. Se calhar viemos para aqui os dois. Acho que não fizemos nada. Devo ter adormecido enquanto ela continuava a falar dele, que o Rui Miguel era assim e assado, e não lhe dava espaço.

Reconheço uma voz…parece a do meu irmão. Que estará ele a fazer aqui?  Está com os nossos tios da aldeia, também aqui, que estranho. Esta não deve ser a casa da Ana. Não me consigo mexer Há alguém que chora. Quem? A tia. Diz “o teu irmão era tão bom rapaz”. Como, era?

Não consigo mexer-me. Sinto então a sua presença. A da mulher calada. Sem foice que já não se usa. Aguarda que vá com ela.