quinta-feira, março 18, 2021

Post 7985 - CNEC 63-25 - 10/10 - Uma gargalhada

Poderia defini-la a gargalhada histérica no meio da sala de aula. Vítima de bullying quando ainda ninguém o chamava assim, fora a resposta que encontrara e que mais a isolara.
Cresceu nervosa e solitária.
Depois tudo pareceu acontecer ao mesmo tempo.
Ficou de barriga e o companheiro deixou-a. Os pais decepcionados acolheram-na, mas morreram os dois com um intervalo de poucos meses, antes ainda do menino nascer.
Acreditou que fora a amargura e a vergonha que os levara.
Tinha problemas no trabalho que receava perder. O patrão não compreendia as faltas e já a olhava de lado pela licença. Não se impunha perante as colegas que inventavam histórias.
Passava pela ama, pegava no menino e chegava a casa tão cansada que só queria dormir.
Num Domingo foi para o quarto de tarde. O Pedro tinha cinco anos na altura. Deixou-o na sala com a televisão ligada.
Doía-lhe o corpo e pesava-lhe a cabeça. Pensava que não podia ficar agora doente ou ainda perdia o emprego. Calhou olhar para os comprimidos que tomava para dormir.
Há horas negras na vida de todos e aquela, pensou depois, foi a pior de todas.
Viu-se com uma má mãe. Nem conseguia brincar com o Pedro. Com ela iria crescer um menino triste, só lhe podia deixar em herança a má sorte que sempre a acompanhava. Ficaria melhor sem ela.
Chegou a pegar num copo e no primeiro comprimido.
Foi então que o ouviu rir. A gargalhada feliz de uma criança com as palermices de um desenho animado.
Ganhou consciência do que ia fazer ao filho e mandou o copo ao chão.
Depois não ficou tudo bem, mas pouco a pouco conseguiu mudar, encontrar em si mais forças.
Sabia que não estava sozinha e que às vezes poderia brincar e rir com o seu menino.

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