O que vejo da minha janela
Chuva,
chuva, chuva.
Na rua inclinada há um rio de lama que cresce e ruge.
Uns poucos carros ainda se aventuraram a subir e a descer, mas o último foi arrastado pela torrente de lama. À janela o condutor e passageiro, os dois de máscara pareciam alarmados, mexiam muito os braços. A viagem forçada parou quando embateram no contentor verde de lixo. Fugiram a nadar para longe do carro e da rua.
Desde
então, mais nenhum carro se viu.
Nem
gente valente que lutasse contra a corrente ou nadasse pelo rio.
Continua a chuva, indiferente e impaciente. Sucedem-se as bateladas, ávidas e geladas.
Antes
pensava que vivendo no segundo andar estava segura.
Deixei
de ouvir os do primeiro andar há alguns dias. Também não falavam muito. À noite
escutava os seus suspiros fundos, mas agora só ouço a chuva.
Os
do rés-do-chão mudaram-se há muito, partiram num bote. A senhora de xaile
repetia “viver assim não é possível”. O marido de galochas amarelas nada dizia.
Levavam pouca coisa. O resto não cabia no bote ou estragou-se.
Cresce o rio, sobe a água.
Já
quase não tenho comida. Não há luz, nem gás, mesmo onde não chove, está húmido.
A humidade inunda a casa, sinto-a nos ossos, dor contínua e fina.
A
enxurrada leva tudo, poderá levar a casa?
Enfrentarei
o dilúvio, sem arca.
De
noite sonhei que fujo de balão para um país quente. De cima olhamos para baixo
e à volta, o céu azul sem nuvens, a terra vermelha e seca, o sol enorme, bola
laranja e amarela, ardente.
Acordei
e algo de estranho se passava.
Não
ouvi a chuva.
Gostei de ler.
ResponderEliminarAbraço, saúde e bom fim de semana