terça-feira, janeiro 05, 2021

CNEC 52/24 - 7/10 - Roda que roda

  

Roda que roda, cabelo de bruxa, volta para o inferno de onde saíste.

Roda que roda, ninguém te quer, a tua mãe morreu, o teu pai nunca viste.

Enfezada e triste, criada pelos avós amargurados com o abandono e morte da filha.

A mãe, menina bonita na fotografia da comunhão, perdeu-se de amores por um desconhecido.

Saía de noite quando todos dormiam e regressava pouco antes da luz do dia.

Uma madrugada chegou mais tarde com marcas de silvas, a roupa rasgada, fria, calada.

Não voltou a sair, deixou de falar, não respondia sobre o que tinha. O que sucedera, ninguém sabia. Deixou de sangrar e cresceu-lhe a barriga. Os pais queriam esconder o seu estado, mandaram-na embora para a casa distante de uma tia.

Na noite em que nasceu a filha, quando ninguém estava a ver, nem o esperava, voltou a sair, mas deixou a menina.

Dois dias a procuraram até que a encontraram no fundo do poço.

 

Cresceu sem carinho e com a troça de outros meninos.

Roda que roda, cabelo de bruxa, volta para o inferno de onde saíste.

Roda que roda, ninguém te quer, a tua mãe morreu, o teu pai nunca viste.

Assim que pôde mudou-se e reinventou-se.

Voltou à vila pela morte do avô. Ninguém a reconhecia, nem a avó, já com noventa anos, com alzheimer ou demência. Iria para um lar, mas nessa noite ficaram as duas na casa para o velório.

Pensava que a avó dormia quando de repente abriu os olhos e a chamou pelo nome da mãe:

“Bela tens de o largar que é casado.”

Afinal a avó sabia.

Quem?

Não respondeu, voltou à habitual letargia.

Nem que me mate vou descobrir. Levou a avó com ela para a cidade, tratando dela com todo o cuidado até que conseguiu saber…

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