terça-feira, dezembro 01, 2020

Post 7810 - CNEC 53/24 - 2/10 - Diálogo

 Tinha onze anos, mal acabaram as aulas, saí da escola, pasta ao ombro com os livros e cadernos, ia para paragem esperar pelo trólei ou camioneta e regressar a casa.

Era quinta-feira e estávamos rodeados por barracas da feira, vendedores e muitos clientes, pregões, palavrões, gritos e animação.

Os transportes demoravam a chegar pois tinham de atravessar o mar de gente e partiam cheios.

Chocava-me ver as redondas mães de família carregadas de cestos e sacos, que criticavam a canalhada por não respeitarem a fila, enquanto, quase ao mesmo tempo, me passavam à frente, como se além de magrizela fosse invisível. Não me respeitavam a mim!

Reparei numa mãe que perguntava ao filho de três anos que levava ao colo:

- Queres uma bola de Berlim?

Ele ficou super feliz e acenou que sim, mas a animação apagou-se quando percebeu que se tratava de um bolo e não de uma bola de jogar.

Entretanto, chegou um trólei. Miúdos e senhoras atropelaram-se em funil para a porta. Conseguiu entrar, meio empurrada pelos que vinham atrás. Pelo menos, em dias assim não tinha de me preocupar em agarrar-me aos bancos ou argolas do tecto, porque era sustentada pelos que estavam à minha volta.

Aproximava-se a minha paragem.

- “Com licença, com licença” dirigi aos que me rodeavam, mas só cheguei à saída quando arrancava e se ia fechar a porta.

Pensei: Salto ou não salto? Saltei.

E caí.

O condutor, que então parou, perguntou-me muito sério e meio zangado:

- Não te magoaste?

Enquanto rápida e envergonhadamente me levantava (parecera fácil quando eram outros a fazê-lo) respondi: Não me magoei.

- Em vez de saltares porque não disseste para parar?

Não disse nada, mas pensei para mim, e quem me ouvia?

Com o resto da dignidade que ainda tinha, corri para casa.

 

5 comentários:

  1. E houve um que ficou preso na porta do autocarro e desceu parta da Avenida a pé coxinho.
    Quem terá sido??????

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  2. Eis uma coisa que nunca fiz. Na minha infância não haviam autocarros nem tróleis nem qualquer outro transporte na minha zona, que não fossem as pernas, as bicicletas e as carroças dos caseiros.
    Abraço e saúde

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    1. Eu fui meio/meio, só aos 10 anos é que fui para uma escola mais longe e tive de ir de transporte, antes podia ir a pé e preferia
      um abraço, obrigada e muita saúde

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  3. Nunca me lembro de ser magrinha, mas invisível lembro-me várias vezes!!!!
    Em filas de autocarro, no bar da escola...

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  4. E talvez tenhamos andado no mesmo trólei ou autocarro, as duas invisíveis na fila :)

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