Diálogo comigo mesmo
- Primeiro estavas agorafóbico.
Depois veio a Pandemia. Vivo sozinho e há séculos que não estou com ninguém.
- Já não saio de casa há
meses…
- E estão-se a esgotar os
enlatados, tens de sair!
- Tenho de sair virgula,
temos de sair, os dois, o eu normal e tu, eu crítico
- A fome já não me deixa
ser crítico.
- Que fome, que nada,
hoje comemos arroz com feijão
- E ontem, e ante-ontem e
- Deixa que te
interrompa, ontem foi feijão com arroz
- Muito engraçado, deixemo-nos
disto, achas que consegues ir até ao Supermercado da esquina?
- Acho que sim…são só
alguns metros. E podia até comprar legumes. Vamos lá.
Visto o casaco e saio.
Está frio e não vejo ninguém na rua. Há luz no Supermercado que as montras
deixam que se espalhe pela rua. Lá há calor e comida. Apresso o passo, subo
dois degraus e sou barrado pelo Segurança:
- E a máscara?
Olho e vejo que ele está
de máscara, atrás dele, as meninas e senhoras nas Caixas e os clientes estão
todos com máscara. Não se vê se sorriem. O Segurança, pelas sobrancelhas
franzidas não parece estar a sorrir, antes pelo contrário, parece bem zangado.
- Posso subir a gola e
tapar a boca?
- Não!
- Mas para comprar uma
máscara teria de entrar…
Ele permanece inamovível
à minha frente. Quase salivava a pensar nos legumes e fruta, ah, fruta.
Vou ter de voltar a casa
sem nada e talvez costurar uma máscara
- “Ei, senhor pode ficar
com esta”
Olho e uma senhora de
idade está a estender-me uma máscara nova. Acredito que sorri face aos seus
olhos doces.
Estamos salvos. Coloco a
máscara, o Segurança afasta-se para me deixar entrar, junto-me a eles.
Gostei de ler. Será que agora perde a fobia?
ResponderEliminarAbraço e saúde
Depois de tanto esforço ainda bem que surgiu uma alma caridosa.
ResponderEliminarGostei!
Ontem fui a Ourém para levar o carro à inspeção, quando ia a atravessar a cidade verifiquei que me tinha esquecido da máscara mas logo ali havia uma farmácia com o lugar vazio. Coloquei o lenço do pescoço na boca, entrei, comprei a máscara por 20 cêntimos e salvou-se a honra do convento.
Abraço
Gostei muito de ler, Gábi. É um bom exemplo do que é a bondade inteligente.
ResponderEliminarUm abraço :)
Muito interessante. E acabam-se as fobias!:)
ResponderEliminar--
Coisas de uma Vida
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Beijo, e uma excelente noite...
Sabe como é que dizia o meu padrinho?
ResponderEliminarFalar de mim para comim :))))
Beijinhos
Ainda há boas pessoas!
ResponderEliminarEste texto fez-me recordar um caso que se passou comigo mesmo, há poucas semanas atrás, quando já todos ia-mos estando tão habituados quanto fartos do uso de máscara, eis que entrei num supermercado tendo deixado a mascara esquecida no carro. E após várias voltas por todos os corredores do estabelecimento comercial em causa, sem jamais me ter apercebido da falta da máscara, nem tendo notado alguém a olhar para mim de forma estranha e menos ainda critica, estava já na fila da caixa de pagamento, quando vinda da fila ao lado uma simpática jovem se me dirigiu e num tom de vós, por assim dizer, intimista, como para que se mais ninguém a pudesse escutar, inquisitivamente me disse: "então e a máscara?". Imediatamente joguei as mãos à cabeça e comecei a procurar uma máscara na mochila que carregava às costas, só que tão pouco na mochila me restava já mascara alguma das que lá colocara dias antes, mas então um senhor de aparente origem asiática (India, Paquistão, Nepal ou por aí) me ofereceu uma máscara do saco que abriu ainda antes mesmo de o pagar. Eu inicialmente recusei dizendo que eu mesmo iria buscar um saco de máscaras equivalente ao dele, mas ele insistiu e eu acabei por aceitar, mas não sem terminar por ir buscar máscaras para mim também e com o senhor asiático já no final do pagamento da sua conta ainda me dirigi ao mesmo para lhe "pagar" o generoso favor, o que o mesmo com um encolher de ombros me agradeceu _ no caso tendo-me também eu "juntado a eles"! ;-)
ResponderEliminarFiquei contente por saber que o que imaginei de certa forma acontece, como a boa vontade/bondade na Farmácia a que foi a Rosa dos Ventos e agora neste Supermercado, o Victor Barão, precisamos todos de gestos assim
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