Estão o sofá e a cadeira onde se sentava abandonados.
Limpamos-lhe o pó, ninguém lá se senta
Abandonado o caminho para a Confeitaria onde comprava a
nata que lhe levava para o lanche e o do café onde lhe comprava o jornal.
Se não morrermos jovens, à medida que os anos passam, vão-nos
deixando os amigos que partem primeiro. Levam algo de nós, quem éramos quando estávamos
com eles, as memórias que deixaram de ser partilhadas.
Fui procurar um número no telemóvel e entre os contactos
estavam três que já morreram. Não quis apagá-los. Continuam lá.
Depois da reforma, apagam-se os hábitos do trabalho. Porque
é que antes parecia tão importante o que lá fazíamos? Agora é feito por outros.
Falha o corpo e falha a mente. Se nos confundirmos ou esquecermos palavras,
há quem nos trate como dementes surdos ou crianças. Tiram-nos também o respeito
e a dignidade.
Há os que são deixados em Lares. Rodeados de estranhos, desapossados do
pouco que tinham e lhes era ainda familiar, já não escolhem nada, nem a hora a
que se deitam, nem o que comem, nem sequer o programa da televisão da sala onde
passam o dia.
Será uma fuga esquecer o eu, abandonar quem se foi, não reconhecer mais os
filhos e netos se vierem de visita, e que deixam de vir, à medida que o tempo
passa.
Fica o medo e a confusão, a dor e às vezes a zanga permitida entre
calmantes.
Como queixarem-se ou discutirem se não lembram as palavras?
E após a partida
Abandonados também os sapatos, camisas e casacos que não vai voltar a calçar
e a vestir, a carteira, o relógio, e os óculos, seus.
Há quem os guarde e há quem os dê.
Ocupa tanto espaço o vazio que fica.
Quase ninguém quer morrer jovem. Mas morrer abandonado numa casa de repouso não é pra mim. Se puder pedir a graça de morrer velha, de repente, em condições dignas, e com alguma saúde para ser auto-suficiente, é pedir tudo o que desejo para meu futuro breve!
ResponderEliminarTambém é o que queria - um dos meus avôs morreu em casa à noite na sua cama e com um sorriso como se estivesse a dormir
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