terça-feira, setembro 01, 2020

Alcino do Fundo Lopes

      Nasceu a 3 de Fevereiro de 1925 em Argozelo, concelho Vimioso, distrito de Bragança, filho de Abediel Victor Lopes e de Gracinda Luís do Fundo. Seria então uma aldeia muito isolada pelo Inverno rigoroso. Quando foi possível registá-lo na Conservatória em Vimioso, para se evitar a multa, foi indicada outra data, mais de um mês depois, 8 de Março.

      Tinha um irmão mais velho que morreu com sarampo quando ele era bebé. Teve outro irmão a seguir a ele que morreu em bebe, e um irmão mais novo catorze anos que sobreviveu. Eram tempos duros.
       O seu pai comerciante de peles andava pelas feiras e também se terá dedicado ao contrabando - Espanha ficava muito perto (nessa altura pelo Alentejo o meu trisavô Pepe era guarda de fronteira).         Uma vez que acompanhou o pai a uma feira este comprou-lhe uma bola, mas quando regressaram a casa, a sua mãe condenou o gasto deitando a bola fora.

      Teve uma avó paterna que o amava e mimava, mas morreu cedo de escorbuto.

      Fez o liceu em Bragança. Uma vez, conseguiu acompanhar uns soldados numa caminhada de 5 kms para o regresso a casa.
       Entrou na Universidade, na Faculdade de Medicina Veterinária em Lisboa. A viagem de comboio levava um dia. Tinha pouco dinheiro e correu as ruas da capital em busca de pensões próximas e com as melhores condições. O curso era difícil e tinham de ficar a estudar enquanto viam estudantes de Direito a irem para o cinema de tarde. Coincidiu o seu tempo de faculdade com a 2ª Guerra Mundial e com o racionamento. Nas pensões a comida era pouca e má. Com 1,72 pesava quarenta e tal quilos. Por isso foi rejeitado para o Serviço Militar.

      Houve uma vez em que com um primo que também estudava em Lisboa, responderam a um convite que era para dois professores da Universidade  (e não para eles) e foram a um almoço memorável no Hotel do Luso.
     
        Obtida a licenciatura trabalhou em Lisboa num Laboratório na pasteurização do leite.

      Conheceu a minha mãe e casaram (depois de duas marcações falhadas e a recusa do Padre porque o meu avô que queria uma nora da terra enviava um telegrama dizendo-se doente, a morrer, sem o estar).
     Contou a minha mãe como se conhecerem, que se "zangou" porque no Eléctrico ele ia virado a olhar para ela, mas depois comentou com uma amiga que tinha gostado dele. Foi pela janela com sinais que lhe pediu depois em namoro (os dois muito bonitos, como actores de cinema).
       Depois de casada, em viagens a Argozelo a minha mãe viu neve e uma vez um lobo (quando era criança uma das razões para gostar de ir a Argozelo visitar os meus avós era ver como o meu pai parecia mais novo ao pé deles).

       Ia muitas vezes a chamadas (algumas vezes levava uma ou duas das filhas com ele, se fosse de tarde). Teve sucessivamente vários carros, Ford, Fiat e BMW. Quando chegava a casa buzinava e quando éramos crianças íamos a correr ter com ele.

       Contou-nos como tirou a carta de condução - o Engenheiro soube que ele era Veterinário e começou a conversar com ele, não sei se para o consultar, e sobre a condução colocou-lhe uma questão, o que fazer se à sua frente se atravessasse uma bola? A resposta era travar porque atrás viria uma criança.
       

        Concorreu a veterinário municipal e ficou colocado em Paços-de-Ferreira, depois em Gondomar. 
             Os meus pais apenas conseguiram ter um bebé, a minha irmã Isabel, cinco anos após se terem casado. A primeira neta dos dois lados, um milagre. Depois seguiram-se mais duas, Gabriela e Ângela. Antes das filhas, nos fins-de-semana, passeavam à volta de Passos-de-Ferreira. Às vezes iam visitar uns tios a Penafiel. Iam a uma confeitaria lanchar, o seu bolo preferido seria na altura o bolo de arroz, e tiravam fotografias.   
         Teve cancro, passou por duas cirurgias, quase morreu (eu era muito pequena na altura e não soube como tinha sido grave).
     
         Viveu num apartamento arrendado em Paços de Ferreira e na casa de função em Gondomar.  Aos 52 anos comprou uma casa no Porto.
   
      Era muito dedicado ao trabalho. Ia a chamadas de noite e ao fim-de-semana e não tirava férias, apenas alguns dias para as visitas no Verão a Lisboa e a Argozelo.

      O meu pai, um homem inteligente, bonito e bom, marcado pelo que passou, pelas pessoas não muito boas com que infelizmente teve de lidar.
       Gostava de História, especialmente da História de Portugal. Acho que chegou a dar aulas em Paços de Ferreira. Gostava de ir ao café ao fim-de-semana e a seguir ao jantar durante a semana, e ficar lá na conversa com o seu grupo de conhecidos. Gostava de ler o jornal e de pasteis de nata e de bifes.
        Teve um AVC com 89 anos, mas em parte recuperou. Estava frágil, física e mentalmente. Caiu, magoou-se na cabeça e foi para o Hospital, em tempo de Covid, quando não o podíamos acompanhar na Urgência ou visitar na Enfermaria. Melhorou do traumatismo, mas apanhou uma pneumonia bacteriana. Permitiram-nos duas visitas para despedida e morreu pouco depois da segunda, no dia 28 de Julho de 2020 (ainda às vezes não parece verdade e sentimos muito a sua falta).





2 comentários:

  1. Lamento.
    Ainda não passei por isso. Nem por um, nem por outro.
    Por vezes muito fugazmente apenas, essa realidade vem à memória.
    Só sabemos quando acontecer.

    Aconteceu contigo, lamento. Sê forte e recorda toda essa maravilhosa pessoa pelo que teve de bom, que é o que tens feito aqui. Um abraço.

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  2. Humano e sentido resumo de vidas amadas de quem custa muito a despedida.
    As fotos,com pessoas bonitas, ajudam a contar histórias igualmente bonitas, mas nem por isso fáceis.
    Um bom testemunho familiar não muito frequente.
    Um beijinho, Gábi

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