quinta-feira, agosto 06, 2020

Post 7656 - CNEC 50/22 - 3/10 - Nascemos um para o outro



  Não fiz a barba, nem sei bem o que vesti, a roupa com que dormi e um casaco que enfiei à pressa. Mal me reconheci no espelho do elevador quando descia. O cabelo despenteado, olheiras e olhos vermelhos, a roupa enxovalhada.

Há pouco tempo éramos felizes. Soube desde o início que tínhamos nascido um para o outro.

Disse-lhe logo no primeiro encontro. Pensei que ela o tinha compreendido também, mas depois algo sucedeu. Alguém lhe fez a cabeça. Talvez aquele seu colega de trabalho que anda sempre a rondá-la. Como é que ele se chama? O Pedro, acho que é isso. Nunca gostei dele.

Disse-lhe que precisava de saber sempre por onde ela andava. Assim se ela precisasse de ajuda poderia ir logo ter com ela. Vivemos num mundo perigoso. Não pareceu ter percebido. É demasiado ingénua, mas notei como quando ia ter com ela para a surpreender ela ficava era assustada.

Deve ter sido por algo que aquele Pedro lhe disse que ela deixou de responder às minhas mensagens. Não me atendia o telemóvel. Queixou-se que estava sempre a ligar‑lhe, mas se atendesse mais, isso já não sucederia.

Disse que precisava de um tempo. E eu? Não precisava de a ver? Procurei-a em casa, não abriu a porta, mas sei que estava lá, tinha o carro estacionado em frente. Deve ter sido o Pedro que a convenceu a apresentar uma queixa. Disseram-me que tenho de ficar longe dela. Como é possível? Nem ela o pode querer. Ela precisa de mim.

Ontem decidi, vou ter com ela junto ao prédio onde trabalha, no centro da cidade. Encontrei aqui estacionado um Land Rover. Atrás dele, até ela aparecer, apenas tenho de me dobrar um pouco para que não me vejam.

Só temos de conversar. Ela vai perceber que devemos ficar juntos.


6 comentários:

  1. E assim que começa a violência doméstica, por esta necessidade de controlo!

    Abraço

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  2. Meu Deus, temo pela vida dela.
    Abraço e saúde

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    Respostas
    1. :) Esperemos que ela consiga fugir
      um abraço, obrigada e muita saúde

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  3. Doentio, Gábi.
    E era mesmo essa a ideia que queria transmitir, não era?
    Beijinho, bfds

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  4. Gosto muito do texto, uma tensão em crescendo com um final que nos deixa em suspenso, mas faz temer o pior. Muito bom.

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