A audiência teve início poucos minutos após a hora marcada. O tribunal
antigo escapara à última Reforma Judicial, na sua sala imponente, apesar da
mobília gasta, da bandeira ao fundo descolorida e dos vidros da janela meio
rachados, continuavam a realizar-se julgamentos.
Na sala esperava pacientemente o Sr. Lopes, administrativo reformado,
vinha para lá passar as tardes. Já o conheciam e cumprimentavam na secretaria,
avisavam-no das marcações de julgamentos crime, os seus preferidos. Como o
daquela tarde.
Quando o Juiz entrou, levantaram-se todos. O arguido era um homem novo,
motorista de pesados. Acusado de violência doméstica, quis falar. Negou tudo,
excepto a relação de alguns anos com a ofendida. Mas não foi ela que o deixou,
ele é que a mandou embora, quis evidenciar. De resto, era tudo mentira. Ele nem
estava cá na altura, mas na França.
Entrou depois a ofendida. Queria acabar com o processo, mas não podia, é
um crime público, não podia desistir da queixa. Não queria falar, mas os factos
descritos na acusação teriam alegadamente ocorrido depois da separação. Tinha
de prestar depoimento. Esperava-se que confirmasse o que constava da acusação,
construída com base na participação e nas suas declarações. Ela queria falar do
antes, de quando estavam juntos, mas ele era acusado do que se passara depois.
Perguntou o juiz: “Então ele ligava-lhe, ia procura-la a sua casa e no
seu local de trabalho?” Ela responde que “sim, que a mãe dele fazia isso…”
- A mãe dele?
- Sim, a mãe dele. Tomou as dores do filho e perseguia-a, insultava-a.
Mas e o arguido?” Insistiu o Juiz?
- Ele não fez nada, a mãe dele é que a perseguia, não aceitou que
terminassem, culpava-a e
Interrompeu-a o Juiz, “mas foi a mãe dele?”
- Sim, a mãe dele…
O arguido foi absolvido.
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